Recebi a pauta do Marco Antônio Antunes, coordenador de Economia na Sucursal de São Paulo, de O Globo. Corria o ano de 1982 e ele pedia que eu fizesse matéria sobre a recuperação de produtos automobilísticos, como pneus, amortecedores, velas de ignição e refino de óleo, entre outros.
Para começar, entrei em contato com a NGK, maior produtor no País, onde está a há mais de 60 anos e produziu mais de 2,5 bilhões de velas de ignição, na sua fábrica em Mogi das Cruzes.
Liguei (pelo telefone fixo, já que não existia celular) e a secretária atendeu com muita gentileza - naqueles tempos a marca não tinha uma assessoria de Imprensa como hoje (que aliás, atende muito bem, na pessoa da Ana Carla). Ela perguntou sobre o assunto e qual o meu nome.
- Meu nome é Chico Lelis - respondi -, do jornal O Globo. Quero falar sobre recuperação de velas de ignição.
- Chico “reris”, da “Gorobo”? Disse ela com sotaque semelhante ao do personagem, de origem japonesa, de um antigo comercial de TV da panela de pressão Lares, em que ele dizia “panelas de pressão Rares”, porque não conseguia, como a secretária da NGK, pronunciar “L” do meu nome e nem o da Globo.
Falei a ela que era Lelis, mas ela repetiu: sim, “reris”, da “Gorobo”, né?
Desisti de convencê-la, que era Lelis e que não era da “Gorobo”, e sim de O Globo. Mas, naqueles tempos era muito comum a pessoas confundirem o jornal com a TV. E, cá entre nós, a gente da sucursal do jornal, até aproveitava dessa confusão para conseguir as entrevistas, em geral marcadas diretamente com a secretária do executivo a ser abordado. E a entrevista foi marcada.
No dia marcado, próximo da hora do almoço, cheguei ao escritório da empresa, na rua da Glória, na Liberdade (claro, uma empresa japonesa não poderia estar em outro bairro paulistano, que ainda reúne uma grande população de descendentes japoneses, apesar da "invasão" chinesa). E a secretária, muito solícita, avisou-me que o presidente me receberia em alguns minutos, para almoçarmos juntos na sua sala.
Quando entrei, ele, Shigenobu Fujii, recebeu-me gentilmente e, com o esperado sotaque japonês, perguntou pela câmera, achando que eu era da Globo. Expliquei que eu era do jornal, e ele não manifestou qualquer constrangimento, só perguntou se eu gostava da comida japonesa.
Quando respondi que sim, e a apreciava desde que tinha 8 anos de idade. Sorriu, pegou o telefone e, no seu idioma, pediu nossos pratos. Degustei sushi, sashimi, antecipado por missoshiro (caldo). Uma delícia!
A entrevista foi ótima, com ele explicando a razão técnica porque (ao menos naqueles tempos) velas de ignição não podiam ser recuperadas, como ainda acontece, por exemplo, com pneus (os de avião, por exemplo, podem ser recauchutados até quatro ou mais vezes e os de caminhão, pelo menos uma vez, seguindo as regras para essa operação).
Na saída, pedi para a secretária me mostrar como ela havia escrito o meu nome e o da minha empresa. E, escrito, estava lá, certinho: Chico Lelis, da TV Globo. Só errou o órgão de comunicação.
Chegamos um dia antes, “por engano”
Essa é outra curiosa história, vivida com o estimado primeiro presidente da Volvo no Brasil, Tage Karlsson. Fomos convidados pelo então diretor de Comunicação da Volvo, JPedro (tudo junto assim) para conhecer o primeiro caminhão da marca fabricado no Brasil, o N10. Fui pelo jornal O Globo, e meu amigo S. Stefani, (que já nos deixou, era dono da mais perfeita memória do jornalismo que já vi. Nunca anotou uma única linha durante as entrevistas, incluindo números), pela já extinta Gazeta Mercantil Curiosamente, chegamos um dia antes do evento (engano creditado à agência de viagem) e fomos levados diretamente para a sala do presidente, que reservou todo o período da tarde para estar conosco. Levou-nos a conhecer a linha de montagem do novo produto, falou sobre os planos da marca para o futuro no Brasil e depois fomos almoçar.
O almoço durou horas, pelo menos umas três, regado a uma boa cerveja sueca. Conversamos sobre tudo, especialmente sobre os negócios da marca por aqui, incluindo sua, ainda pouca, experiência de Brasil, País que ele já adorava e sonhava um dia morar por aqui. Foi uma tarde muito agradável, repleta de boas informações.
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À direita, Tage Karlsson e o 1.000º Volvo produzido no Brasil |
Eu e Stefani nunca conseguimos chegar uma conclusão sobre aquele “engano” da agência. Mas, afinal, como representávamos dois dos maiores órgãos Imprensa, um deles a Gazeta Mercantil, o maior jornal de Economia do País, acreditamos que isso pode ter causado a “confusão” de datas.
Por muitos anos continuei a me corresponder com Tage Karlsson, via Internet, que voltou para a Suécia, mas não para o Brasil. Disse-me, certa vez, que, aqui ficaria muito longe da família e, para se sentir-se “meio que no Brasil”, tinha optado por uma casa do Algarve, em Portugal, onde o clima era "mais quente" que a sua Suécia. Deixamos de nos comunicar quando ele se foi, em 2019, aos 93 anos com problemas cardíacos.
*chicolelis - Jornalista com passagens pelos jornais A Tribuna (Santos), O Globo e Diário do Comércio. Foi assessor de Imprensa na Ford, Goodyear e, durante 18 anos gerenciou o Departamento de Imprensa da General Motors do Brasil. Fale com o Chico: chicolelis@gmail.com. Visite o blogdochicolelis.
**A caricatura é um presente do Bird Clemente para o chicolelis, que tem no ex-piloto, seu maior ídolo no automobilismo.
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