sábado, 8 de março de 2014

LINCHAMENTO: QUANDO SE PERDE A RAZÃO,
por Milton Saldanha*

Que levante a mão quem nunca pensou em pendurar um bandido num poste de rua. 

Não foram poucas as ocasiões em que desejei isso. Por exemplo, naquele caso do sujeito que tacou fogo na dentista, do ABC. O meu irracionalismo nessas horas, fruto do ódio, não significa que eu tenha razão e que esse seja o melhor caminho. O ódio irresponsável não pode estar acima da ordem jurídica que deve definir a organização social. Senão a gente volta aos tempos do faroeste: cada um se arma, e que prevaleça a lei do mais rápido. Não pode ser assim. 

Na última quinta-feira, dia 6 de março, fiquei estarrecido com a verdadeira apologia ao linchamento promovida pelo Datena, na Band. Até concordo com muitas verdades que este jornalista costuma dizer, sobretudo quando cobra decência das autoridades. Mas não posso concordar com esse incitamento à barbárie, num veículo de massa de grande alcance, que deveria ter uma função educativa. A apologia ao linchamento, do Datena, não é explícita. Com habilidade, ele diz que isso é errado, pelo ponto de vista legal, e assim livra a cara. Ao mesmo tempo, justifica o crime. Logo, uma afirmação acaba se sobrepondo a outra, vencendo no imaginário do público a tese mais simpática, sem dúvida a do linchamento. Afinal, quem não odeia bandidos?

Agora eu pergunto ao Datena e a quem mais professa essa ideologia da justiça sumária, das calçadas: e se o rapaz que foi acusado por engano e preso injustamente, no Rio de Janeiro, tivesse sido linchado? Mesmo considerando os erros primários, e frutos do preconceito racial da polícia, que levaram um inocente à prisão por 16 terríveis dias, aquele jovem encontrou nos canais legais os meios para provar sua inocência e voltar à liberdade. Nenhum dinheiro vai reparar os danos psicológicos que sofreu, mas teria sido muito pior se a precipitação e insanidade popular tivesse ocupado o lugar das leis. E mais: num linchamento, onde fica o direito universal à defesa? Este é um princípio criado não para defender bandidos, mas qualquer cidadão, culpado ou não, como forma de supostamente prevenir injustiças. 

Nada tenho contra o Datena e repito que até concordo com várias das suas opiniões. Não desse tipo, irresponsável. O jornalismo, por qualquer meio, impresso ou eletrônico, tem que cumprir um papel educativo. Além de crítico e fiscalizador, claro.

* Milton Saldanha, 68 anos, gaúcho, é jornalista desde os 17 anos. Trabalhou na imprensa de Santa Maria (RS) e Porto Alegre. Vive em São Paulo há mais de 40 anos. Passou por muitos empregos, entre eles Rede Globo, Estadão, TV Manchete, Diário do Grande ABC, Jovem Pan, revista Motor3, Ford Brasil, IPT, Conselho de Economia e vários outros, inclusive na Ultima Hora. Ao se aposentar, criou o jornal Dance, já com 19 anos. É autor dos livros “As 3 Vidas de Jaime Arôxa” (Editora Senac Rio); “Maria Antonietta, a Dama da Gafieira” (Phorte Editora) e “O País Transtornado” (Editora Movimento, RS) onde conta 60 anos da recente História brasileira. Participou da antologia de escritores gaúchos “Porto Alegre, Ontem e Hoje” (Editora Movimento). 

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