sábado, 5 de abril de 2014

PÉ RAPADO, E DE DIREITA. NÃO É ENGRAÇADO?,
por Milton Saldanha*

Há alguns anos, numa eleição em São Paulo, em que Luiza Erundina disputava com Paulo Maluf, aconteceu um fato muito curioso: o PT venceu nos bairros Jardim, da turma da grana e mais alto índice de escolaridade; e perdeu num bairro da periferia, do pessoal sem dentes, que se aperta em ônibus, ganha mal, mora mal, come mal e fala errado. Vale lembrar que então a imagem do PT não estava borrada. O partido ainda era visto como uma rara alternativa. 

Erundina, como se sabe, venceu e fez um bom governo, voltado para a periferia. Como cortou as verbas para propaganda oficial, com sua rigidez de mulher honesta, isso desagradou os donos da mídia. Não teve a visibilidade que merecia. Mas não puderam atacá-la, não havia do que acusar. E quem mais deu trabalho à prefeita não foi a oposição. Foi seu (então) próprio partido, o PT, que depois a expulsou. Só Deus sabe o que queriam...

O episódio da eleição ilustra bem a confusão mental e falta de coerência de determinados grupos sociais, que não reagem de forma compatível com sua condição de classe. Pobre acha chic ser de direita, e também porque sonha algum dia ser rico. Se possível, sem nenhum esforço ou trambique, apenas ganhando na loteria. Já alguns ricos acham chic ser de esquerda, contrariando a tendência majoritária do seu rebanho. São, geralmente, intelectuais. O cara discute Marx com a mesma desenvoltura com que discorre sobre vinhos refinados, enquanto degusta algum deles.

A questão é que rico não tem problemas. Pobre tem. Então essa ignorância política me dá muita pena. O cara vota contra si próprio. E, se for remediado, critica o Bolsa Família, porque na sua cabeça quem é mais pobre que ele tem é que se ferrar. Curiosamente, não se rebela contra a corrupção: para ele o “rouba, mas faz” é uma bandeira. 

Essa onda de debates sobre os 50 anos do golpe de 1964 está trazendo a tona uma direita de bolsos vazios. Basta observar o teor primário das opiniões, em textos repletos de grosseiros erros gramaticais e de grafia. Além, claro, da mais absoluta ignorância histórica. Pessoas sem a menor noção do que aconteceu no País há meio século, e mesmo depois disso. Fica notório o padrão de baixa renda, porque rico estuda nas melhores escolas particulares, pode comprar livros caros, viajar, etc. O que também não quer dizer nada, convenhamos. Rico boçal é o que mais existe.

Resumindo, meus irmãos, pobre Brasil enquanto educação e cultura não se tornarem prioridade..

Milton Saldanha, 68 anos, gaúcho, é jornalista desde os 17 anos. Trabalhou na imprensa de Santa Maria (RS) e Porto Alegre. Vive em São Paulo há mais de 40 anos. Passou por muitos empregos, entre eles Rede Globo, Estadão, TV Manchete, Diário do Grande ABC, Jovem Pan, revista Motor3, Ford Brasil, IPT, Conselho de Economia e vários outros, inclusive na Ultima Hora. Ao se aposentar, criou o jornal Dance, já com 19 anos. É autor dos livros “As 3 Vidas de Jaime Arôxa” (Editora Senac Rio); “Maria Antonietta, a Dama da Gafieira” (Phorte Editora) e “O País Transtornado” (Editora Movimento, RS) onde conta 60 anos da recente História brasileira. Participou da antologia de escritores gaúchos “Porto Alegre, Ontem e Hoje” (Editora Movimento). 

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