Estava refletindo sobre o passado e o presente, e me vieram na mente os acidentes que presenciei e outros que fiquei sabendo e apenas acompanhando o desfecho.
Muitos, felizmente, foram superados e os acidentados voltaram às pistas e à vida. Em outros, o resultado foi o afastamento permanente das pistas e até mesmo a morte.
Como é difícil esse retorno e recomeço. Felizes para os que superaram todas as barreiras e seguem a vida, nas pistas e fora dela!
Lembro dos pilotos amigos que sofreram acidentes e se recuperaram. Entre eles, Carol Figueiredo, Nelson PIquet e Emerson Fittipaldi e Felipe Massa, que muito fizeram para o automobilismo brasileiro. Mas a lista inclui outros que, infelizmente, não conseguiram sobreviver.
Alguns, tive a oportunidade de acompanhar a difícil caminhada da recuperação, quanto sofreram para voltar a competir, o tratamento, as ginásticas necessárias, medicamentos receitados pelos médicos, os exames de checagem e outras providências para fazê-los se dedicarem a um período paciente, mas que lhes davam a certeza de que voltariam melhor do que antes do acidente.
Lembro muito bem do capotamento do Simca, pilotado por Anísio Campos, na curva 2 do circuito antigo de Interlagos, e que ficou sob o carro e com o tubo de escapamento quase em brasa sobre o seu peito, o que exigiu um longo tratamento com cirurgias toráxicas e plásticas e um tratamento longo e rigoroso.
Carol Figueiredo, um dos meninos da poderosa equipe Willys que também corria de kart, liderava uma prova no kartódromo de Interlagos e, quando estava a mais de 100 km/h, foi atingido por uma linha com cerol em seu pescoço e quase foi degolado, porque a linha ficou presa sob o fecho do capacete. No hospital para onde foi encaminhado o cirurgião informou que ele só foi salvo pela rapidez do atendimento dos funcionários da Federação de Automobilismo de São Paulo. Outro acidente com Carol ocorreu na prova Três Horas de Petrópolis, onde também se feriu gravemente e conseguiu se recuperar.
O tricampeão mundial Nelson Piquet de Fórmula 1 sofreu, em 1992, o mais grave acidente de sua carreira, num treino para a sua estreia nas 500 Milhas de Indianápolis, ao bater seu carro a 340 quilômetros por hora no muro de contenção.
Quem estava na pista, considerou que o acidente foi inacreditável, pela força do impacto considerada absurda no choque do carro contra o muro e surpresa com o fato de Piquet ter permanecido consciente durante o longo tempo necessário para a cuidadosa assistência para amenizar as fortes dores que sentia, como efeito do acidente.
As lesões que Nelson teve foram sérias, sobretudo nos pés, tornozelo esquerdo e joelho direito, com sequelas que o acompanham até hoje.
Emerson Fittipaldi foi um piloto que teve uma carreira com poucos acidentes com consequências mais sérias. Mesmo assim, depois que ingressou na Fórmula Indy sofreu um grave em Indianápolis, e, mais tarde, em 1997, caiu quando estava pilotando um ultraleve com um de seus filhos, por uma falha no motor. Esse acidente provocou graves ferimentos na coluna cervical e o afastaram definitivamente das competições automobilísticas.
Lembro também do francês Patrick Depailler que, em 1979, sofreu um acidente voando de asa-delta e teve fratura nas pernas. Durante a longa recuperação, Depailler voltou a pilotar ainda enquanto usava bengalas para circular pelos boxes e entrar no carro. O francês acabou falecendo no ano seguinte, em um acidente no circuito de Hockenheim quando testava sua Alfa Romeo.
Um acidente mais recente, em 2009, foi o de Felipe Massa em Hungaroring. Durante os treinos de classificação, o brasileiro foi atingido na cabeça por uma mola que se soltara segundos antes do carro de Rubens Barrichello. Com fratura no crânio, Massa ficou dias em coma induzido e só voltou a pilotar na Fórmula 1 no ano seguinte, mas teve uma recuperação total.
Outro choque foi o acidente, em 1977, que provocou a morte de José Carlos Pace e Marivaldo Fernandes, quando o avião em que viajavam de São Paulo para a fazenda de Emerson em Araraquara, no interior de São Paulo, chocou-se contra a Serra da Cantareira, em Mairiporã, em meio a uma forte cerração, pouco depois da decolagem no Campo de Marte.
Antonio Carlos Avallone, com seu jeito de menino brincalhão e travesso frequentemente me visitava no jornal. Uma vez, ao regressar à Europa, para participar de corridas da Fórmula 5.000, sofreu acidente e foi encaminhado para um hospital para tratamento. Quando melhorou e estava seguro com a sua recuperação divertia-se com outros pacientes, promovendo corridas com cadeiras de rodas pelos corredores do hospital. Algum tempo depois, Avallone sofreu um infarto e faleceu em 2002.
Mas por que falar de acidentes, da difícil recuperação e sequelas? Porque há pouco mais de um mês, sofri uma queda em casa e tive fratura do crânio e hemorragia na cabeça. Cai bobamente por um descuido natural dos mais experientes. O pé esquerdo enroscou-se com o direito e bati forte a cabeça no chão.
Segundo me relataram, fiquei prostado ao chão, com dor forte e inebriado, sangrando muito e, como um ébrio, os olhos fixos, arregalados e balbuciando palavras sem nexo que ninguém entendia.
Fiquei internado por alguns dias e, confesso, embaralhando tudo. Pelo que me contam, pois não me lembro de quase nada, não sabia em que país estava e vivi alguns dias em um mundo paralelo, alheio à realidade.
Hoje, estou maravilhosamente bem, ainda em recuperação, mas lúcido e conseguindo gravar este podcast.
Confesso que, pela dificuldade em recuperar a lucidez, a energia e também a mobilidade, por falta de equilíbrio, tenho vivido momentos inusitados, com fisioterapia, fonoaudiologia e até cuidador. E foi essa condição que me levou a lembrar dos acidentes que presenciei e dos amigos que acompanhei.
Naquela época, tudo parecia mais fácil, rápido e certo. Mas quem sou eu para choramingar. Estou vivo, no auge dos meus 90 anos e, de quebra, posso contar minhas histórias.
Um brinde a todos os sobreviventes!
>> Esta e outras histórias vividas e narradas pelo jornalista Luiz Carlos Secco você pode ouvir no podcast Muito Além de Rodas e Motores
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*Luiz Carlos Secco trabalhou, a partir de 1961 até 1974, na empresa S.A. O Estado de São Paulo e Jornal da Tarde, além da revista AutoEsporte. Posteriormente, transferiu-se para a Ford, onde foi responsável pela comunicação da empresa. Com a criação da Autolatina, passou a gerir o novo departamento de Comunicação da Ford e da Volkswagen. Em 1993, assumiu a direção da Secco Consultoria de Comunicação.