segunda-feira, 28 de abril de 2014

VAI FOLGAR, TRABALHADOR!

Faltando pouco mais de um mês para a Copa do Mundo, esse evento que está nos deixando ansiosos para ver no que vai dar, a grande conversa é se vai ter ou deixar de ter feriado, onde, quando, de que horas a que horas. E como em ano de política tudo pode acontecer, creio que serão muitos dias de não trabalho neste país que está mais parecendo um tatu bolinha, se enrolando todo, tropeçando em pedras.

Vai trabalhar, vagabundo! O título do filme nacional virou expressão popular... Trabalha, trabalha, nego... A estrofe de Terra Seca, musica de Ary Barroso, 1943, virou lamento ou até ironia quando somos obrigados a trabalhar mais, um pouquito mais, e principalmente quando nos pedem um daqueles trabalhos que não são bem nossos, aquela abusada de chefe, e lá vamos resignados cantarolando o trecho da música que, completa, é triste de fazer chorar de tanta pena do nego véio moiado de suor, sua rotina e velhice.

Trabalho. É interessante pensar no Trabalho, assunto de mil facetas e formas, inclusive de leis da Física, onde significa movimento, - e por que não dizer? - da religião. São Paulo está forrada de cartazes de charlatãs e charlatões, se dizendo videntes, mestres ou gurus, prontos , oferecendo-se para fazer um trabalho que consiga o que o desesperado (só pode estar desesperado para procurar uns caras desses) do consulente deseja. Trabalho que é trabalho em umbanda e candomblé tem nome mais bonito. Chama oferenda. Mas aí alguém que queira saber mais, que faça um trabalho, de pesquisa, de escola. Ou de campo, que é quando a pessoa tira a derrière da cadeira e vai ao local dos fatos. Não confundir com trabalho do campo, rural, bucólico e pesado.

Para tudo o que a gente faz e precisa é necessário trabalhar. Até para não fazer nada é preciso trabalhar, certo esforço. A gente também trabalha muito pensando. Para nascer, quem está dentro trabalha para sair; quem está fora trabalha para empurrar, fazer nascer - é o trabalho de parto, o trabalho que enaltece a mulher, especificamente. Sem concorrências.

Por falar nisso, andei ouvindo uns dados sobre trabalho, emprego, desemprego, taxas, e a briga das estatísticas e pesquisas divulgadas pelos governantes desse país maravilhoso que aparece na tevê, um tal Brasil. Nele, tudo só e bom; se acreditarmos no que comerciais com modelos sorridentes informam não há problemas na saúde, nem na educação, muito menos na habitação. Todo mundo tem crédito a hora que quer, sorri, e a inflação é só da nossa imaginação. Sem violência, sem medo, tudo limpinho. Como é que é mesmo? Pais rico é país sem pobreza. Será que só eu acho esse slogan o óbvio ululante, parecido demais com os confusos discursos da timoneira? Vejam bem...

Mas quero falar de umas preocupações sobre o que ouvi de orelhada. Não haveria tanto desemprego entre jovens porque eles estão ficando mais em casa, só estudando, bancados pelos pais? As mulheres - que tanto lutamos para poder sair para o mercado de trabalho de igual para igual, etc. e tal - estão fazendo as contas e descobrindo que ficar em casa tomando conta dos filhos é mais econômico? É isso mesmo? Confere, minha gente?

Não tem alguma coisa errada nisso? Não nas decisões das pessoas, mas nos fatos que as obrigam a isso. Os gastos com transporte e alimentação fora de casa, crescentes. Estudantes que, se estiverem na de aprender mesmo, têm de passar mais tempo estudando? Ou, por outro lado, moçada apática que fica esperando herança, gastando o que tem, sem perspectivas, sem desafios? Uma geração BBB que só pensa em ser famosinho, modelo, aparecer na tevê, cantar funk, puxar ferros? Todo mundo buscando uma imensa loteria. Trabalho que e bom, nada de pitibiribas. Aquele tal de Hércules devia ser um chato, sem ter o que fazer, sem redes sociais, sem baladas, sem rolezinhos.

Pouco sobrou do oficio, do amor ao que se faz, o capricho no fazer, a gentileza no trato com o público, no serviço público e no privado. Quem adquire experiência é escorraçado do mercado, e depois flana porque já tem idade - mesmo que hoje se veja tantos rompendo 70, 80 com pleno vigor.

Por outro lado, para quem pega no pesado, a situação continua triste. Sindicatos atrelados, sugando contribuições e não entregando. Condições de trabalho e salários baixos, sem formação técnica, sem incentivos. Assédio moral, sexual, total. "Ande na linha", "olha que a coisa tá preta ai fora", "se você não quiser, tem quem quer, uma fila". Nesses últimos tempos está um tal de dar férias coletivas toda hora que não é nada bom; é a famosa folga que o trabalhador passa rezando, e para voltar ao mesmo posto. Não vende, não produz, não vende; não compra, nem produz. Chicote maluco.

Não. Folga. O feriadão está aí, e este agora é o dia que todos os políticos ou candidatos põem as manguinhas de fora, em palanques, falando aos trabalhadores, invariavelmente atraídos até ali por causa dos shows populares, ou sorteios. Prometem aumentos, fazem juras de amor.

Os feriadinhos, o montinho do legado pela Copa, também já estão sendo gestados nos gabinetes, e serão ótimos para refrescar os ânimos que andam quentes ou secos, tanto quanto os reservatórios. O comércio está a-do-ran-do, para não dizer o contrário, essa brincadeira com o calendário.

São Paulo, 2014














Marli Gonçalves é jornalista - Tanto tempo trabalhando, ouviu contar sobre uns tais frutos. Onde é que a gente os recolhe?

Tenho um blog, Marli Gonçalves, divertido e informante ao mesmo tempo, no marligo.wordpress.comEstou no Facebook. E no Twitter @MarligoE-mails: marli@brickmann.com.br e marligo@uol.com.br

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