quarta-feira, 13 de maio de 2020

CHUMBO GORDO.
Por Carlos Brickmann*

A INVISÍVEL ROUPA DO REI


Não pensem que o presidente Bolsonaro é o único a mandar no ministro da Saúde, como é mesmo que ele se chama? O presidente, aliás, nem se dá ao trabalho de mandar: passa por cima dele, e ele que descubra, quando os repórteres lhe perguntam, o que foi feito no Ministério que ocupa. Não tem a menor preocupação com o que o ministro vai achar: ele não vai achar nada. E é provável que goste: embora tenha de pedir aos repórteres que lhe contem o que acontece na sua área, continua no cargo, mantendo-se em obsequiosa obediência. O fato é que não dá nem para disfarçar: acaba dando respostas tatibitates. Até seu rosto sempre impassível mostra que não sabia de nada.

Mas Bolsonaro vá lá: afinal de contas, é seu superior hierárquico, graças a ele deixou de ser conhecido apenas nos círculos médicos, virou estrela – estrela apagada, que já deu o que tinha que dar, estrela anã, mas estrela.

Porém, o ministro da Saúde tomou uma lição inesquecível ministrada por uma menina de seis anos. Foi visitar sua mãe no domingo, e quando ia tomar o elevador a menina lhe disse que não podia entrar. Teich, de máscara, já dentro do elevador, perguntou por que, pois o elevador era grande. E teve de ouvir da menina aquela norma que, embora ministro da Saúde, esquecera: nos elevadores residenciais, só deve entrar uma família por vez. Saiu e pediu desculpas: ainda bem, é um moço educado. Mas, como na fábula, foi preciso que uma criança se antecipasse aos adultos e informasse que o rei estava nu.

A sorte está lançada


Pois é, Sergio Moro tinha razão. A história que narrou no depoimento à Polícia Federal foi confirmada pelo vídeo da reunião do Ministério em que, em meio a baixarias e palavrões, o presidente disse que precisava nomear o superintendente da Polícia Federal no Rio para proteger sua família. O filho mais velho de Bolsonaro, Flávio, vem travando longa batalha judicial para se proteger de investigações, mas não da Polícia Federal. Há rumores, porém, de que outros dois filhos, Eduardo e Carlos, estejam na mira dos federais, por participar do esquema de distribuição de notícias falsas e convocação para atos antidemocráticos. Esta informação não é confirmada, mas circula já há um bom tempo. E antigos aliados de Bolsonaro, hoje rompidos com ele, fizeram parte do esquema de comunicação da campanha presidencial.

Gente fina


OK, como diria Bolsonaro. Uma reunião fechada não exige os códigos de comunicação de uma reunião aberta. Mas houve ali, fora a linguagem pouco educada, propostas francamente antidemocráticas: alguém propondo, por exemplo, a prisão de prefeitos e governadores (e dizendo que o faz em nome dos direitos humanos).

A reunião não era aberta, mas esse tipo de proposta é enquadrável na Lei de Segurança Nacional. Não deve ir para a frente, já que o caso mais importante é o do presidente. Mas se o procurador-geral da República quiser, pode trazer problemas a quem a fez. Lembrando o caso de outro país, tudo o que ocorreu entre o presidente Bill Clinton e Monica Lewinsky foi fechado ao público, e por pouco Bill Clinton não caiu.

E agora?


Do jeito que Moro saiu, com uma carta contundente, que Bolsonaro não hesitou em desmentir, há duas possibilidades: Moro tem razão, e Bolsonaro está sujeito a responder pelas propostas ilegais, ou Bolsonaro tem razão, e Moro está sujeito a responder por denunciação caluniosa. Mas estamos no Brasil e há uma terceira possibilidade: ao receber o inquérito, o procurador Augusto Aras pode achar que não há motivo para oferecer denúncia contra ninguém. Pronto, caso encerrado. É sempre bom lembrar que impeachment precisa ter embasamento jurídico, mas só vai para a frente se tiver também embasamento político. Neste momento, com cerca de 30% do eleitorado a seu favor (e metade desses, pelo menos, fanaticamente a favor), não se pode falar em impeachment. Bolsonaro ainda precisa de desgaste para virar alvo.

A propósito


De qualquer forma, o presidente vem-se esforçando muito para aumentar seu desgaste. Já existe hoje mais gente que considera seu Governo péssimo ou ruim do que os que o consideram ótimo ou bom. Até nas redes sociais, em que tem força (e muitos robôs), Bolsonaro vem sendo derrotado há mais de 50 dias. Mas mantém o estilo briguento de administrar: hoje, no Supremo, tem relacionamento melhorzinho (embora não muito bom) com Toffoli e Luiz Fux. Com os outros nove, é ruim. Tem tido derrotas seguidas no STF. No Congresso, ao aliar-se ao Centrão, entregando-lhe bons cargos, está mais tranquilo. Mas o Centrão normalmente reivindica o tempo todo. Como nos tempos de hiperinflação, o preço de hoje é sempre menor que o de amanhã.

Notícia boa, notícia ruim


A notícia boa é que o Brasil deve ampliar as exportações de carne em 7%. A notícia ruim é que, enquanto os alertas de desmatamento na Amazônia crescem 55%, as verbas para combatê-lo são 36% menores que em 2019.


Carlos Brickmann é Escritor, Jornalista e Consultor, diretor da Brickmann & Associados Comunicação
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