Público brasileiro conhecerá uma das últimas obras de Pancetti – inacabada –, além de documentário inédito e instalação imersiva com experiência poética.
O mar sempre provocou fascínio nos homens. Os mistérios escondidos nas águas salgadas atraem, há séculos, o olhar de exploradores, pesquisadores, estudiosos, e de artistas. No Brasil, José Pancetti retratou como ninguém o beijo entre o mar e a areia. Sua poesia e delicada sobriedade serão reveladas na primeira exposição do artista em Belo Horizonte, com pinturas de marinhas, paisagens, retratos e naturezas-mortas. “Pancetti na Casa Fiat de Cultura: o mar quando quebra na praia...”, que fica em cartaz de 3 de setembro a 17 de novembro de 2024. A exposição tem curadoria de Denise Mattar e apresenta um conjunto de 46 trabalhos realizados entre 1936 e 1956, alguns deles nunca antes exibidos para o público, além de uma cronologia ilustrada e uma instalação imersiva, que reúne músicas de Dorival Caymmi, imagens e sons do mar. Também será apresentado um documentário inédito, produzido por Ula Pancetti, neta do artista. Na abertura, será realizado um bate-papo com a curadora Denise Mattar e Ula Pancetti, com inscrição pela Sympla. Toda a programação da Casa Fiat de Cultura é gratuita.
Entre as obras, o público poderá apreciar “Auto-vida” (1945), autorretrato emblemático de Pancetti, em que o artista mescla realidade, imaginação e ironia; “Retrato de Francisco” (1945), que mostra um menino negro tendo ao fundo a paisagem de um morro de São João del-Rei, cidade onde o artista viveu uma temporada; “O Chão” (1941), obra que deu ao artista o Prêmio de Viagem ao Exterior do Salão de Belas Artes; “Praça Clóvis Bevilacqua” (1949), obra pintada das janelas do Palacete Santa Helena, local onde dividiam o ateliê os artistas Volpi, Rebolo, Mário Zanini, Manoel Martins, entre outros; “Floresta, Campos do Jordão, SP” (1944), cidade onde o artista passou algumas temporadas para tratamentos de saúde e que é frequente em sua obra; “Pescadores” (1956), obra incomum na produção de Pancetti, que retrata a pesca do xaréu, em Salvador; “Lagoa do Abaeté” (1952), obra que retrata o encanto do artista pela cor das águas, da areia e dos panos das lavadeiras; “Paisagem de Itapuã” (1953), obra emblemática de Pancetti, que deu início à Coleção Gilberto Chateaubriand, uma das mais importantes do país; “Coqueiros de Itapuã” (1956), obra da última fase da pintura de Pancetti, momento em que o artista alcança uma plenitude criativa; além de “Composição – Bahia Interior o meu atelier, Itapoan” (1957), obra inacabada, que pertence à família do artista e é inédita para público. As obras provêm de coleções privadas de instituições do Brasil: Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, Museu Nacional de Belas Artes, Museu de Arte Moderna de São Paulo e Museu de Arte Brasileira da FAAP.
As marinhas são a sua faceta mais conhecida, mas ele também pintava naturezas-mortas, paisagens e retratos, em obras singulares e muito poéticas. Para o presidente da Casa Fiat de Cultura, Massimo Cavallo, a paixão do pintor inspira a instituição a oferecer essa mostra. “A galeria da Casa Fiat de Cultura ganha a leveza, a profundidade e a brisa do mar que sempre estão presentes nas obras de Pancetti. Para sentir, basta contemplar.”
Filho de imigrantes italianos, José Pancetti foi pintor, escultor, desenhista e gravador. Também foi pintor de paredes e militar da Marinha Brasileira – ofício que influenciou fortemente a sua obra e a relação com o mar. Nasceu em Campinas (SP), mas logo cedo se mudou para São Paulo. Seu pai era pedreiro, mestre-de-obras e músico e a mãe era camponesa. Por causa das dificuldades financeiras, foi enviado à Itália, ainda jovem, onde ingressou na Marinha Mercante. A infância difícil e as privações da adolescência deixaram marcas profundas na personalidade e na saúde de Pancetti, assim, o ingresso na Marinha Brasileira foi um alívio para as suas atribulações.
O pintor teve seu talento descoberto na Marinha. Começou pintando um camarote e logo passou a pintar postais e tampas de caixas de charutos. A partir daí, seu interesse pela pintura se intensificou e chegou a estudar por um curto período no Núcleo Bernardelli (Rio de Janeiro), um ateliê livre que tinha orientadores em vez de professores.
A curadora da mostra, Denise Mattar, destaca que Pancetti sempre foi um pintor original e intensamente pessoal. “Seu temperamento solitário e a formação quase autodidata permitiram o surgimento de uma obra particular plena de lirismo, melancolia e poesia – uma obra que emociona. Sem estar preocupado com uma brasilidade teórica, Pancetti retratou amorosamente a nossa gente, a nossa luz e o nosso mar.”
A exposição “Pancetti na Casa Fiat de Cultura: o mar quando quebra na praia...” é uma realização da Casa Fiat de Cultura e do Ministério da Cultura, por meio da Lei Federal de Incentivo à Cultura. Conta com o patrocínio da Fiat, copatrocínio da Stellantis Financiamento, do Banco Stellantis, do Banco Safra, da Usiminas e da Sada. O evento tem apoio institucional do Circuito Liberdade, além do apoio do Governo de Minas e do Programa Amigos da Casa.
Núcleos da exposição
A exposição “Pancetti na Casa Fiat de Cultura: o mar quando quebra na praia...” é composta por seis núcleos, que traduzem a trajetória do artista e suas principais obras.
Retratos
Os retratos de Pancetti são singulares. Ele sempre elegeu como modelos pessoas do povo, com as quais se identificava. Ia na contramão de outros pintores da época, que aceitavam encomendas de pessoas da sociedade.
As pinturas retratam pescadores, trabalhadores, lavadeiras, donas de casa e familiares que, sem qualquer tipo de embelezamento ou exaltação, revelam a tristeza e o desânimo dos labores braçais.
- Auto-vida (1945);
- Navio de casco vermelho (1936);
- Barcos ancorados (1937);
- Retrato de Francisco (1945);
- Retrato de Hernani (1946);
- Autorretrato (1940);
- Autorretrato (1952/1954);
- Rossini Camargo Guarnieri (1945);
- Figura feminina (1945).
Paisagens
Conhecido por retratar o que estava próximo dele, Pancetti começou seus trabalhos pintando barcos, arsenais e galpões da Marinha. Sua transição para paisagens urbanas revela um sentimento de desconforto, com figuras humanas pequenas e oprimidas entre edifícios e ruas vazias.
Seu contato com a natureza, durante viagens pelo Brasil traz uma sensação diferente, capturando a luz, água, céu e vegetação de cada local. Suas obras apresentam cores sutis, formas reduzidas e cortes marcantes, demonstrando uma modernidade original.
- O Chão (1941);
- Praça Clóvis Bevilacqua (1949);
- Sem título (s.d.);
- Oficinas (1940);
- São João del Rei, Rua de Santa Teresa (1945);
- São João del Rei (1945);
- Floresta, Campos de Jordão, SP (1944);
- Bairro da Abissínia, Série Abissínia, Campos de Jordão, SP (1949);
- Rio São João (1947);
- Arraial do Cabo (1948);
- Marinha, Cabo Frio, série Musa do Pintor (1949);
- Sem título, da série Saquarema (1955);
- Igreja de Nossa Senhora de Nazaré (1955).
Naturezas-Mortas
As naturezas-mortas de Pancetti são algo sem paralelo na arte brasileira. Apesar da inevitável influência de Van Gogh e Cézanne, têm características próprias desde o início da produção, sempre com pinturas muito originais.
Com o passar do tempo, o artista se torna mais ousado e cria obras-primas, com hibridização dos gêneros tradicionais de pintura. Frutas, flores, quadros, pinturas e figuras são mescladas nas composições, que apresentam enquadramentos inusitados em um sofisticado exercício de metalinguagem em que a pintura fala sobre pintura.
- Sem título (1940);
- Campos do Jordão (1943);
- Natureza Morta (1946);
- Série Mata São João (1951);
- Interior o meu atelier, Itapoan (1957).
Bahia
A mudança para a Bahia, na década de 1950, modificou a personalidade e a obra de Pancetti, a alegria tornou o artista mais doce, e ele explodiu em cores quentes e fortes. As marinhas tornaram-se intensas e plenas de luz.
Ele chegou num momento especial, pois, na recém fundada Universidade da Bahia ministravam aulas intelectuais da mais absoluta vanguarda como: Koellreutter, Lina Bo Bardi, Yanka Rudzka e Martim Gonçalves. Em consonância com essa efervescência, artistas plásticos como Mario Cravo Jr., Genaro de Carvalho, Carybé, Rubem Valentim e Agnaldo dos Santos construíam uma marcante visualidade da Bahia.
Assim, o artista circulou entre o mundo sagrado de Mestre Didi, as sensuais narrativas de Jorge Amado e o som de Dorival Caymmi, celebrando ao violão a beleza e o poder de Iemanjá, senhora das águas e rainha do mar.
- Pescadores (1956);
- Coqueiros de Itapuã (1956);
- Farol da Barra (1954);
- Igreja de Santo Antônio da Barra (1951).
Marinhas
As Marinhas são os trabalhos mais conhecidos do artista. Pancetti pintou por toda a vida e aumentou a produção de maneira significativa a partir de1946, quando foi reformado. O mar, que já era fundamental em seus trabalhos, torna-se cada vez mais importante.
O percurso estético do artista é marcado por uma progressiva geometrização, e pela importância que a cor vai ganhando sobre a forma, até tornar-se protagonista quase absoluta das composições. O encontro entre o mar e a areia torna-se mais e mais constante, e, nesse processo, Pancetti reduz ao mínimo a forma, tornando-se quase abstrato.
- Lavadeiras de Abaeté (1957);
- Lagoa de Abaeté (1952);
- Marinha, série Bahia (1952);
- Paisagem de Itapuã (1953);
- Stela, Série Baia (1951);
- Mar Grande (1954);
- Itapoan, série Bahia (1956);
- Sem título, da série Bahia (1952);
- Sem título [paleta do artista] (s.d.);
- Sem título [paleta do artista] (s.d.).
Família
Esse núcleo reúne obras que nunca foram apresentadas anteriormente, e mostram um aspecto lírico e amoroso do autor. Nele estão presentes as delicadas obras que retratam Anita, a esposa de Pancetti, Nilma, que é filha do artista, e singelos momentos de sua vida privada.
- Interior com Anita e bebê, Campos do Jordão (1942);
- Nilma (1951);
- Sonho (1943);
- Os primeiros sapatos da Nilma (1943);
- O nenê adormeceu (1943).
Obra inacabada
“Pancetti na Casa Fiat de Cultura” é a primeira mostra do artista em Belo Horizonte. Além de conferir a trajetória desse importante pintor, o público poderá ver de perto uma obra que nunca havia sido exibida.
“Composição – Bahia Interior o meu atelier, Itapoan” integra o núcleo Naturezas-Mortas e é parte da coleção de Ula Pancetti. A pintura foi feita em Salvador, em 7 de outubro de 1957. No dia 16 de novembro, Pancetti retornou ao Rio de Janeiro para se tratar, pois estava muito doente. Ele foi internado no hospital da Marinha e lá faleceu no dia 10 fevereiro de 1958. A obra não chegou a ser assinada e está até hoje com a família.
Documentário
A exposição contará com um documentário inédito sobre o artista, realizado por Ula Pancetti. O filme reúne depoimentos de familiares, críticos e personalidades, como Anita Pancetti, esposa do artista, José Roberto Teixeira Leite, historiador e crítico de arte, Luiz Carlos Barreto, cineasta, e Almirante Max Justo Guedes, da Marinha do Brasil.
O documentário será exibido de forma pública pela primeira vez e alguns dos entrevistados já faleceram, o que reveste os depoimentos de especial interesse, ajudando a contar a história, a trajetória e a personalidade do artista.
Cronologia
Outro recurso importante para o visitante mergulhar na vida de Pancetti será a cronologia ilustrada, que contará detalhes da vida do artista.
Desde o nascimento em Campinas, passando pela mudança para São Paulo, o período na Itália e a vivência na Marinha, até o momento em que passa a se dedicar intensamente à pintura, após ser reformado.
Serão destacados fatos importantes, como os passos que o levaram à pintura, os prêmios recebidos e as viagens que fez para cuidar da saúde, além de detalhes da vida pessoal.
Instalação imersiva
Quem passar pela exposição também poderá se apaixonar e “mergulhar” no mar. Uma instalação imersiva brinda o visitante com imagens e sons do mar, além de uma trilha de Dorival Caymmi, amigo de Pancetti, que cantava: o mar, quando quebra na praia, é bonito, é bonito...
Uma oportunidade para imergir nas ondas que tanto encantaram Pancetti e influenciaram grande parte das obras exibidas na mostra.
O homem do mar
É praticamente impossível não relacionar a trajetória artística de Pancetti à sua vivência na Marinha. De origem humilde, executou diversos ofícios: foi operário, auxiliar de ourives, trabalhador de redes de esgotos e faxineiro de hotel. Nos anos 1920, começa o trabalho com pintura de paredes, cartazista e auxiliar de pintor. Foi da Marinha Italiana em 1919 e ingressou na Marinha Brasileira em 1922, onde permaneceu até 1946.
Suas primeiras obras foram pintadas em 1925, quando servia no encouraçado Minas Gerais. Em 1933, em sua passagem pelo Núcleo Bernardelli, recebe orientação de nomes como Manoel Santiago, Rescála e Edson Motta, mas Pancetti só reconheceu realmente como mestre o polonês Bruno Lechowski. Com ele absorveu e desenvolveu a composição de planos geográficos, a austeridade da cor e a sutileza do traço. Pancetti adquiriu maturidade artística e aprimorou a técnica, seguindo o conselho do polonês de não abandonar a Marinha, para não ter que comercializar as obras.
As viagens não permitem que ele tenha um aprendizado regular, mas é nesse caráter quase autodidata que mora a singeleza e a singularidade de sua obra. Por circular em dois universos distintos – o cotidiano simples do marinheiro, que o lembrava da origem humilde, e o sofisticado mundo das artes, no qual era visto como gênio – teve seu temperamento dramático potencializado e buscou na força do povo a grande inspiração para a sua arte.
A paixão pelo mar é percebida nas cores e nas formas de suas pinturas, sendo as marinhas suas obras mais conhecidas. A mudança para a Bahia, em 1950, transformou sua personalidade e as obras, que explodiram em cores fortes e quentes.
O namoro entre o mar e a areia são tema recorrente da obra, sendo retratado sempre com muita emoção. Aliás, apesar do temperamento melancólico, Pancetti foi um artista muito afetivo e dizia: “Tudo o que pinto é com amor. Só sei pintar com amor”.
Bate-papo de abertura
Para marcar a abertura de “Pancetti na Casa Fiat de Cultura: o mar quando quebra na praia...”, será realizado um bate-papo com a curadora Denise Mattar e a neta do artista, Ula Pancetti, no dia 3 de setembro, às 19h30.
Elas vão contar curiosidades sobre as obras e a trajetória de Pancetti, em uma conversa emocionante, afetiva e de grande valor histórico. Após o bate-papo, será realizada uma visita à exposição. A participação é gratuita, com inscrição pela Sympla.
Percursos temáticos a atividades educativas
Várias ações educativas estão previstas para o período em que a exposição estiver em cartaz. Serão oferecidas visitas mediadas a partir de três eixos distintos: histórico-biográfico, que destacará a trajetória e a vida pessoal, incluindo as viagens que fez para cuidar da saúde; técnico-estético, abordando os materiais utilizados e técnicas de composição; e crítico-analítico, que vai comparar suas principias características a de outros modernistas e a de outros movimentos.
A programação paralela ainda contempla o minicurso “Azul em Pancetti e seus contemporâneos”, nos dias 11 e 18 de setembro. As vagas são limitadas com inscrição gratuita pela Sympla.
Denise Mattar
Foi diretora do Museu da Casa Brasileira, Museu de Arte Moderna de São Paulo e Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Como curadora independente realizou mostras retrospectivas de Di Cavalcanti, Flávio de Carvalho (Prêmio APCA), Ismael Nery (Prêmios APCA e ABCA), Pancetti, Anita Malfatti, Samson Flexor (Prêmio APCA), Yutaka Toyota (Prêmio APCA), entre outras. E mostras temáticas como: Traço, Humor e Cia, O Olhar Modernista de JK, O Preço da Sedução, O’ Brasil, Homo Ludens, Nippon, Brasília - Síntese das Artes, Tékhne e Memórias Reveladas, (Prêmio ABCA).
Casa Fiat de Cultura
A Casa Fiat de Cultura cumpre importante papel na transformação do cenário cultural brasileiro, ao realizar prestigiadas exposições. A programação estimula a reflexão e interação do público com várias linguagens e movimentos artísticos, desde a arte clássica até a arte digital e contemporânea. Por meio do Programa Educativo, a instituição articula ações para ampliar a acessibilidade às exposições, desenvolvendo réplicas de obras de arte em 3D, materiais em braille e atendimento em libras. Mais de 90 mostras, de consagrados artistas brasileiros e internacionais, já foram expostas na Casa Fiat de Cultura, entre os quais Caravaggio, Rodin, Chagall, Tarsila, Portinari entre outros. Há 18 anos, o espaço apresenta uma programação diversificada, com música, palestras, residência artística, além do Ateliê Aberto – espaço de experimentação artística – e de programas de visitas com abordagem voltada para a valorização do patrimônio cultural e artístico. A Casa Fiat de Cultura é situada no histórico edifício do Palácio dos Despachos e apresenta, em caráter permanente, o painel de Portinari, Civilização Mineira, de 1959. O espaço integra um dos mais expressivos corredores culturais do país, o Circuito Liberdade, em Belo Horizonte. Mais de 4 milhões de pessoas já visitaram suas exposições e 700 mil participaram de suas atividades educativas.
Exposição | Pancetti na Casa Fiat de Cultura: o mar quando quebra na praia...
Período expositivo: 3 de setembro a 17 de novembro de 2024
Visitação presencial: terça-feira a sexta-feira das 10h às 21h; sábados, domingos e feriados, das 10h às 18h (exceto segundas-feiras)
Tour virtual no site (www.casafiatdecultura.com.br)