segunda-feira, 3 de março de 2014

O SENTIDO SOCIOLÓGICO DOS JUSTIÇAMENTOS,
por Rodrigo Augusto Prando*

As Ciências Sociais – a Sociologia, neste caso – tem como um dos seus principais projetos a compreensão dos fenômenos sociais, a apreensão de suas regularidades, a motivação dos seus atores em construir discursos explicativos. É, portanto, nesta seara que trataremos, neste escrito, acerca dos justiçamentos: os linchamentos e o vigilantismo.

No exercício de seu ofício, o sociólogo lança mão de estudos teóricos e pesquisas empíricas na tentativa de ultrapassar o senso comum e de explicar com base no método científico. No caso do fenômeno do linchamento, um dos maiores especialistas é José de Souza Martins, professor emérito da Universidade de São Paulo, e autor do essencial artigo “Linchamento, o lado sombrio da mente conservadora”, no ano de 1996. Martins é destes pesquisadores que, objetivando a explicação sociológica, dedica-se com afinco à teoria e ao trabalho de análise documental e de campo. Por conta de seus estudos, pode-se, inicialmente, entender a diferença entre o linchamento e o vigilantismo.

Os linchamentos tem caráter espontâneo configurando-se em decisão súbita, difusa, irracional e irresponsável da multidão. É uma ação de julgamento em que não há a figura do juiz, da Justiça, que deve ser objetiva, impessoal e imparcial. No evento violento, a multidão prende, julga e executa. A motivação, quase sempre, é de caráter conservador e são linchados os que cometeram atos contra as regras e os valores que dão sustentação aos grupos sociais em suas relações cotidianas. Não raro, o linchado, já morto, recebe uma segunda morte, tendo seu corpo arrastado, desmembrado ou jogado em terrenos para que deixe de ser pessoa e se transforme, por meio da putrefação pública, em cadáver. 

Pune-se o linchado e punem o seu corpo de forma ritual. Os linchamentos possuem certa regularidade, e os grupos que lincham podem ser divididos em: a) parentes e amigos de alguém que tenha sido vítima de linchado; b) vizinhos e moradores da localidade de moradia de alguém que tenha sido vítima do linchado; c) grupos corporativos de trabalhadores, especialmente motoristas de táxi e trabalhadores da mesma empresa em que trabalha(va) alguém vitimado pelo linchado e d) grupos ocasionais, especialmente multidões da rua, transeuntes, passageiros de transportes públicos (ônibus, trens e metrô) e torcedores de futebol. No Brasil, segundo Martins, são mais raros os linchamento realizados pelas grandes multidões, geralmente, são levados a cabo por vizinhos, parentes e grupos laborais que conheciam a vítima daquele que foi linchado.

O vigilantismo, por sua vez, é realizado por pequenas coletividades que se atribuem o papel de polícia, ou seja, sua intenção é prevenir o crime e, quando capturado o suposto criminoso, realizar o justiçamento que pode, ou não, ser por meio de linchamento (às vezes, são execuções sumárias). Há, ainda, a confusão com os “justiceiros”, pois, estes são, quase sempre, pagos pelos seus contratantes para eliminar indivíduos ou grupos considerados indesejáveis (adversários políticos, usuários de drogas, ladrões, moradores de ruas, etc.).

Sejam linchamentos, vigilantismo ou ações de justiceiros o quadro geral é de medo, de descrédito nas instituições, na própria possibilidade de convivência democrática e livre. Há dias – concedendo entrevista - afirmei à jornalista que o justiçamento não é e jamais será Justiça. Que o recorrente uso desta prática pode nos levar à falência da própria sociedade. Questionou-me, ainda, a jornalista, se o justiçamento não ocorre por conta da falha ou ausência das forças policiais. Respondi-lhe que quando ocorre o justiçamento há uma falha de muitas instituições sociais: a família, a escola, a religião, entre outros. Não se pode, por questão de honestidade intelectual e ética, “culpar” a polícia ou mesmo o Estado. O problema é social e, socialmente, deve ser equacionado e resolvido. Somos, infelizmente, uma sociedade que culturalmente é muito ligada à violência e ao autoritarismo.


* Rodrigo Augusto Prando é bacharelado e licenciado em Ciências Sociais, mestre e doutor em Sociologia pela Unesp, FCL, Araraquara. Professor e pesquisador da Universidade Presbiteriana Mackenzie

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