No Brasil, o controle da legalidade e constitucionalidade das normas é feito pelo Poder Judiciário, dentre elas as normas do sistema tributário. Embora o direito à defesa na via administrativa esteja assegurado, a decisão final proferida nos tribunais administrativos é somente vinculativa para a administração pública, podendo os contribuintes pleitear sua desconstituição na via judicial. Esse controle é exercido, em decisão final, pelos tribunais superiores – Superior Tribunal de Justiça (STJ) e Supremo Tribunal Federal (STF).
No entanto, a Constituição de 1988 adota dois sistemas. Um é o controle concentrado, cujas decisões vinculam a todos os jurisdicionados, incluindo-se os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, e que é exercido por meio das Ações Declaratórias de Inconstitucionalidade e de Constitucionalidade (Adins e Adecons), que somente podem ser apresentadas por determinadas pessoas políticas, a exemplo da Presidência e de partidos políticos com representação no Congresso.
O outro é o controle difuso, cujas decisões afetam apenas as partes envolvidas no processo, e que pode ser exercido por qualquer jurisdicionado. No sistema de controle difuso, principalmente em matéria tributária, a declaração de inconstitucionalidade de uma norma sempre gerou grande instabilidade, posto que, embora a tributação para os litigantes do processo em julgamento fosse anulada, a matéria permanecia válida e eficaz para os demais, não vinculando a administração pública, que remanescia obrigada à exigência tributária, assim como os contribuintes, que continuavam obrigados aos recolhimentos, até que obtivessem, individualmente, decisão do Poder Judiciário.
Por outro lado, como as referidas decisões não vinculavam o Poder Judiciário, era possível a prolação de decisões contrárias sobre a mesma tributação, afetando a segurança jurídica de toda a sociedade. E esse longo caminho, de anos de tramitação individual de processos pelos contribuintes e pela administração pública, é um dos responsáveis pela lentidão do Poder Judiciário, um dos mais ineficazes do mundo.
Pesquisas dão conta de que 40% de todos os processos em andamento no País são de matéria tributária. No Estado de São Paulo, o contingente chega a 60%. Essa ineficácia atinge a todos indiretamente. Dados apontam que somente 1% do estoque de créditos da União é recuperado anualmente. Outro grande problema decorria da possibilidade de inúmeros recursos processuais, pelo que, tanto contribuintes quanto a Fazenda prolongavam, indefinidamente, o término do processo, de modo a não pagar, no caso de contribuintes, ou de não efetivar a devolução do indébito, no caso Fazenda.
A Emenda Constitucional nº 45/04 introduziu uma solução, em princípio, contemporizadora dessa fragilidade do controle difuso, estabelecendo o regime dos recursos com repercussão geral (STF) e os recursos repetitivos (STJ), pelos quais os julgamentos de casos de idêntica tributação passaram a ter efeito vinculante, de maneira que o STF e o STJ não mais podem decidir de maneira diferente em casos idênticos.
Contudo, a vinculação se dá apenas no Poder Judiciário. Para compatibilizar os efeitos dessas decisões também para a Administração Pública, foram editadas normas para que esta também se submeta às decisões proferidas em recursos com repercussão geral ou repetitivos. Nesse sentido, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) já dispõe em seu regimento que, nas causas em tramitação, também deverão ser aplicados os julgamentos do STJ e STF.
O mesmo já vinha acontecendo com a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN), responsável pela cobrança dos créditos tributários federais, desde a Lei 10.522/02. A novidade veio com a Lei 12.844, de outubro de 2013, que determinou que também a Receita Federal cumpra decisões favoráveis aos contribuintes proferidas em recursos repetitivos e com repercussão geral. Com isso, também os auditores fiscais e as delegacias regionais de julgamento estariam vinculados, não mais podendo haver autos de infração em sentido contrário ao que já fora apreciado pelo STJ e STF.
Contudo, na prática, não é o que ocorre. A vinculação para os órgãos da Receita não é automática e depende de expressa expedição de nota explicativa pela Procuradoria Geral. A determinação faz sentido, pois cabe à PGFN interpretar o conteúdo e alcance das decisões proferidas pelo STJ e STF. Essa prerrogativa, porém, tem se revelado um instrumento de manipulação.
A PGFN seleciona os casos de seu interesse deixando de editar instruções internas necessárias à afetação das decisões, tanto para os procuradores, como para a Receita Federal e as delegacias regionais de julgamento. É o interesse arrecadatório sobrepondo-se à segurança jurídica, o que pode representar até casos de litigância de má-fé da PGFN nos processos em andamento. Mas o alerta vai para os contribuintes que ainda não estejam litigando, quer administrativa, quer judicialmente. Ante a notícia da vinculação da Receita às decisões favoráveis aos contribuintes, vários passaram a aplicá-las diretamente, expondo-se à contingências passivas, uma vez que, como visto, a Receita continuará com as cobranças já julgadas favoravelmente aos contribuintes nos casos de inexistência de norma interna da PGFN.
Um exemplo se dá com a exclusão do ICMS na base de cálculo do PIS-Cofins Importação. O STF julgou inconstitucional a inclusão do ICMS nesse caso, em março de 2013. Em outubro, a União reconheceu o julgamento e adequou a tributação futura, pela Lei 12.865/13. Mas, até hoje, a PGFN não editou norma dispensando a constituição dos créditos pela Receita nem seus procuradores de atuação nas ações em andamento, passado mais de um ano do julgamento. Na prática, a PGFN vem escolhendo onde aplicar os julgamentos dos tribunais superiores, o que representa uma sensível inversão das atribuições dos três poderes democráticos.
* Mirian Teresa Pascon é Coordenadora Jurídica da De Biasi Auditores Independentes - www.debiasi.com.br.
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