sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

FELIZ NATAL, AMÉRICA!
por Milton Saldanha*

Quem sempre sonhou com um desfecho (solução não seria a palavra adequada) armado entre Estados Unidos e Cuba agora está muito decepcionado. Não houve, nem haverá mais, a guerra. Só de pensar nisso é motivo suficiente para comemorar, pelo bem dos dois povos.

Os decepcionados são os velhos exilados da Flórida, apegados a ódios ancestrais, e jovens que procuravam fama e prestígio na direita internacional, através das redes sociais, pela oposição sistemática e incondicional aos irmãos Castro e a tudo que representasse o conservadorismo militar cubano do pós-1959, quando a Revolução se consagrou vencedora nas ruas de todo o país. Inclusive porque as supostas mesadas da CIA vão minguar, ou sumir de vez. Aos poucos, deixará de ser novidade ser oposição em Cuba. Quem faturou com isso cairá no ostracismo. Oposição, a propósito, faz falta em qualquer sistema de governo, porque cria equilíbrio nas relações de poder e educa a população para a convivência com a crítica. Os cubanos agora terão um longo aprendizado pela frente. Principalmente sua polícia, truculenta como qualquer outra do mundo. Terá ainda que aprender como fazer um jornalismo crítico, com o papel fiscalizador inerente ao verdadeiro jornalismo.

Cuba agora entra num processo inexorável de mudanças, com abertura econômica que obrigará também à abertura política. Começa a mudar, e isso será rápido, principalmente porque os irmãos Castro estão velhos e nada indica que sejam imortais. A vacância do poder vai abrir um debate sucessório, exigindo democracia já. E o fim do trágico bloqueio econômico de meio século, criado e fomentado no Senado americano, virá na esteira das pressões internas dos empresários por acesso a um mercado de 11 milhões de almas carentes e loucas por consumo. Almas que precisam de reformas para que tenham poder aquisitivo. Está óbvio que o primeiro passo está dado para investimentos norte-americanos na ilha. Certamente não mais como nos velhos tempos do ditador Batista, mas no escopo de uma espécie de neo-capitalismo adaptável ao socialismo tropical que ali se tenta há 54 anos, com erros e acertos, trancos e barrancos, além da impressionante persistência.

O fim do bloqueio, que me parece inevitável, será crucial no processo sucessório cubano, porque mostrará, finalmente, se foi mesmo isso que emperrou sua economia, com reflexos no seu programa de bem-estar social. Quando visitei Cuba, em 2004, me incomodou muito ver mais pobreza do que esperava, mesmo reconhecendo as dificuldades da conjuntura internacional com a queda do Leste europeu, que em vários setores subsidiava a ilha. O governo chamava a isso Período Especial. A humilhação de alguns cubanos frente a visitantes estrangeiros era indisfarçável, mesmo compartilhando a afeição por Cuba e por sua luta. Tanto nos uniam as conquistas da Revolução, como as decepções nos tornavam cúmplices num silêncio que dispensava as palavras, já dizia tudo.

Cuba sempre me emocionou, e mais ainda naquela visita, ao conhecer seu povo alegre e adorável. O impacto da notícia do seu reatamento diplomático com os Estados Unidos, uma baita surpresa, enche meu coração de alegria. A paz, finalmente, vence. Graças a este Papa notável, o velho Francisco, já comparável em grandeza a João XXIII, o padre que inseriu a Igreja na questão social.

Gradual, ou rápido, pouco importa, tudo agora tende a melhorar. O que viveremos a seguir será uma verdadeira reinserção de Cuba no continente. O porto de Mariel, agora está tudo claro, vira um entreposto comercial do Caribe. O investimento brasileiro lá, tão atacado pelo pensamento apressado, retornará com dividendos. Indústria brasileira, prepare seus containers! Goste ou não a direita histérica.

Feliz Natal, irmãos cubanos! Feliz Natal, irmãos gringos! Feliz Natal, América!  



Milton Saldanha, 68 anos, gaúcho, é jornalista desde os 17 anos. Trabalhou na imprensa de Santa Maria (RS) e Porto Alegre. Vive em São Paulo há mais de 40 anos. Passou por muitos empregos, entre eles Rede Globo, Estadão, TV Manchete, Diário do Grande ABC, Jovem Pan, revista Motor3, Ford Brasil, IPT, Conselho de Economia e vários outros, inclusive na Ultima Hora. Ao se aposentar, criou o jornal Dance, já com 19 anos. É autor dos livros “As 3 Vidas de Jaime Arôxa” (Editora Senac Rio); “Maria Antonietta, a Dama da Gafieira” (Phorte Editora) e “O País Transtornado” (Editora Movimento, RS) onde conta 60 anos da recente História brasileira. Participou da antologia de escritores gaúchos “Porto Alegre, Ontem e Hoje” (Editora Movimento)   

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