segunda-feira, 3 de março de 2014

ARMA NÃO MATA,
por Francisco Razzo*

O pressuposto fundamental do pacifismo desarmarmentista é nobre na medida em que é estúpido: busca erradicar uma parcela considerável da violência desarmando o cidadão comum por meio da força coercitiva de estado. É nobre por pretender a paz entre os homens e estúpido por não compreender que a arma de fogo não passa de um agente instrumental da violência e não a causa. Arma não mata.

A consequência imediata desse excesso de nobreza e estupidez é que, no final das contas, a violência sempre é quitada com suor e sangue do cidadão comum (quem busca levar a vida do modo mais razoável possível dentro do espírito das leis). O homem comum não saca uma arma com a intenção de matar seus desafetos e muito menos faz “um corre” em vista de suas conquistas. A arma de fogo é, por natureza, moralmente neutra. Afinal, quem mata é o homem.

Na realidade os únicos beneficiados com políticas de desarmamento são o estado e quem vive à margem das leis: políticos e bandidos. A sociedade civil sempre foi esmagada por essas duas forças: a força motora de crescimento do poder do estado, inversamente proporcional ao enfraquecimento do poder dos indivíduos, e a força desestabilizadora do poder de criminosos, inversamente proporcional à estabilidade moral e jurídica que rege as relações entre os homens.

O poder do estado e o poder dos criminosos comungam de uma mesma natureza parasitária e opressora: o estado detém o monopólio do uso da força e, por isso, da arma de fogo. O criminoso está pouco se lixando para quem detém a legitimidade do monopólio da violência – ora, pra quem já vive à margem da lei não faz o menor sentido a determinação de uma lei de desarmamento.

A presença benevolente do estado paternalista enfraquece a fibra moral da sociedade civil; a ação criminosa atua justamente nesse enfraquecimento. O problema da violência não diz respeito à quantidade de arma de fogo circulando na sociedade civil, mas à quantidade de parasitas que mimetiza a ação do poder soberano do estado. Como já demonstrava Santo Agostinho, a diferença entre um chefe de estado e um chefe de quadrilha está no tamanho e não na natureza.

Contudo, a discussão de fundo sobre o desarmamento pode ser resumida nos seguintes termos: o controle estatal de armas de fogo aumentará ou diminuirá o número de mortes por armas de fogo e, consequentemente, os números da violência?

Pacifistas acreditam, a despeito dos fatos, na nobreza da alma humana e postulam o seguinte princípio – uma espécie de filho bastardo do determinismo cientificista: menos armas, menos violência; mais armas, mais violência. Por outro lado, o homem atento aos fatos sabe que a realidade humana não funciona bem assim: quem escolhe matar é o homem; e a violência é, em última instância, derivada da tentação de subjugar o outro, portanto, derivada de péssimas escolhas humanas. Arma nunca escolhe matar.

A verdade é o que princípio determinista do conto de fadas dos pacifistas – “menos armas, menos violência; mais armas, mais violência” – não faz o menor sentido em um mundo de homens reais. Se de repente todas as armas de fogo desaparecessem da face da Terra, inventariamos outros meios para atacar, roubar, matar e, na mesma proporção, nos defender.


* Francisco Razzo é mestre em filosofia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, graduado em filosofia pela Faculdade de São Bento (SP) e escreve para o blog Ad Hominem – Humanidades e outras falácias. 

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O TOTALITARISMO,
por Alcides Leite*

A classificação de um movimento social e político, ou mesmo de um regime de governo, é uma tarefa bastante complicada. A realidade sempre se mostra complexa e multifacetada. Os filósofos, sociólogos e cientistas políticos, no entanto, buscam facilitar essa tarefa utilizando critérios científicos. No livro “A Política”, Aristóteles classifica os regimes em monarquia (o poder pertence a um só), oligarquia (o poder pertence a alguns) e democracia (o poder pertence a todos). Em “O Espírito das Leis”, Montesquieu utiliza outra classificação: república (o povo organizado detém o poder), monarquia (somente um detém o poder, mas de acordo com leis fixas e estáveis) e despotismo (somente um detém o poder, de maneira arbitrária).

Mais recentemente, o filósofo francês Éric Weil classifica os governos em autocrático (decide, delibera e age sem nenhuma intervenção obrigatória de outras instâncias) e constitucional (observa regras legais que limitam sua liberdade de ação pela intervenção obrigatória de outras instituições que ditam as condições de validade dos atos governamentais). Há ainda muitos outros autores que se dedicaram à árdua tarefa de classificação dos regimes, movimentos e tipos de governos.

Quanto ao regime totalitário, merecem destaques as obras “Democracia e Totalitarismo” de Raymond Aron e “Origens do Totalitarismo” de Hannah Arendt. Estes dois autores podem ser considerados os grandes especialistas no assunto. Aron utiliza uma abordagem sociológica para o estudo do fenômeno totalitário. Arendt aborda o tema por meio do uso de análises históricas e psicológicas. 

Aron, em seu livro, classifica os regimes políticos em constitucionais pluralistas e de partido monopolista. Os constitucionais pluralistas são aqueles existentes nos países democráticos, sejam parlamentaristas ou presidencialistas. Os de partido monopolista, são aqueles adotados atualmente na China, Coréia do Norte e Cuba e antigamente no regime Salazarista em Portugal, Franquista na Espanha, Fascista na Itália, Nazista na Alemanha e Comunista na União Soviética, dentre outros.

O regime totalitário, segundo Aron, seria uma subespécie dos regimes de partido monopolista. Somente os regimes nazistas e stalinistas poderiam ser considerados totalitários. Nos salazarista e franquista, embora os cidadãos não tivessem liberdade política, eles ainda tinham certa liberdade cultural, religiosa, econômica e familiar. Segundo dizia Aron: “são países que toleram uma pluralidade de forças, mas não toleram o pluralismo de partidos. (Há pluralismo das organizações familiares, regionais e profissionais, sem pluralismo dos partidos). No caso do fascismo na Itália, o Estado interferia mais na vida privada das pessoas, mas não de forma total, como ocorreu na Alemanha nazista e na União Soviética stalinista.

Em que consiste o fenômeno totalitário? Pergunta Aron. E ele responde: este fenômeno, como todos os fenômenos sociais, presta-se a muitas definições, segundo o aspecto que o observador vê. Parece que os cinco elementos principais são:

1-    O fenômeno totalitário ocorre em um regime que concede a um partido o monopólio da atividade política.
2-    O partido monopolista está animado ou armado de uma ideologia a qual ele confere uma autoridade absoluta que se torna a verdade oficial do Estado.
3-    Para difundir esta verdade oficial, o Estado se reserva o direito de um duplo monopólio: do uso da força e dos meios de persuasão. Todos os meios de comunicação (rádio, televisão, imprensa) são dirigidos/comandados pelo Estado e por aqueles que o representa.
4-    A maior parte das atividades econômicas e profissionais é submetida ao Estado, faz parte dele.
5-    Tudo é considerado atividade de Estado e estão submetidas à ideologia. Há uma politização, uma transfiguração ideológica de todas as ações dos indivíduos, um terror do tipo policial e ideológico.

Hannah Arendt, sem contradizer a análise de Aron, faz em seu livro uma abordagem bem mais complexa a respeito do fenômeno totalitário. Para ela, o totalitarismo depende de algumas condições básicas: o apoio de uma massa desorganizada e desenraizada, a existência de um fundamento ideológico, o uso ostensivo da violência por parte do Estado, a existência de um líder fanático e abnegado, dentre outras. 

No caso da Alemanha, após a Primeira Guerra Mundial, havia uma massa desesperada e totalmente descrente do sistema democrático de partidos. A inflação galopante, o desemprego e a baixa estima resultante das humilhações do pós-guerra, criaram as condições ideais para o surgimento de uma liderança que galvanizasse toda esta insatisfação. Na União Soviética, após a morte de Lênin, deu-se uma luta fratricida entre as várias lideranças comunistas. O estabelecimento da liderança de Stálin custou a perseguição e a morte de todos seus principais adversários. As contínuas expropriações e deslocamento de grande parte da população criaram artificialmente uma massa amorfa e descrente.

Arendt utiliza palavras precisas para descrever a situação na Alemanha e na União Soviética na época do surgimento dos regimes totalitários. Diz ela: “a linguagem do cientificismo profético correspondia às necessidades das massas que haviam perdido o seu lugar no mundo e, agora, estavam preparadas para se reintegrar nas forças eternas e todo-poderosas que, por si, impeliriam o homem, nadador no mar da adversidade, para a praia segura”.

Ao contrário das ditaduras tirânicas, que buscavam o poder por suas vantagens materiais e pela vaidade egocêntrica, o totalitarismo não para por ai. Um líder totalitário se apresenta como uma pessoa abnegada, disposta a dar a própria vida por uma causa maior. Ele se torna um profeta infalível, dado que é o verdadeiro interprete das forças históricas. No governo totalitário não são os principais membros do movimento que ocupam os cargos burocráticos mais importantes. Eles seguem com a tarefa de expandir o movimento e difundir a ideologia dominante. Tanto na União Soviética stalinista, como no regime nazista havia constantes trocas de comando no governo. O líder principal precisava deixar claro que não havia uma panelinha que comandava. A própria política governamental mudava constantemente. A única esfera que era considerada realmente importante era da polícia política.

Para se impor, o regime totalitário precisava seguir um plano inclinado. Todos os cidadãos teriam que ser aniquilados na esfera civil, moral e individual. A aniquilação civil se dava pela inexistência de uma ordem jurídica que protegesse o indivíduo contra a ação do Estado. Ninguém poderia se considerar seguro no regime totalitário. Moralmente, as pessoas acabavam se prostituindo quando eram obrigados a delatar seus companheiros e familiares para salvar a própria vida. A esfera mais profunda da pessoa, a individual, também deveria ser destruída mediante forte propaganda totalitária. Havia a necessidade de transformar todos e cada um em pessoas amorfas, sem nada que pudesse ser considerado de seu. Ao desenvolver métodos de eliminação em massa, os regimes nazista e stalinista impediam que os mortos pudessem ser identificados. Isto é, até na morte o indivíduo era despersonificado. Não poderia haver mártires a serem cultuados.

Sobre isso, dizia Arendt: “o totalitarismo não procura o domínio despótico dos homens, mas sim um sistema em que os homens sejam supérfluos. O poder total só pode ser conseguido e conservado num mundo de reflexos condicionados, de marionetes sem o mais leve traço de espontaneidade”, e acrescenta: “o que as ideologias totalitárias visam, portanto, não é a transformação do mundo exterior ou a transmutação revolucionária da sociedade, mas a transformação da própria natureza humana. Os campos de concentração constituem os laboratórios onde mudanças na natureza humana são testadas.”

Por último cabe a nós pensarmos se as loucuras do totalitarismo ainda podem se tornar realidade no mundo atual, mas esta é uma tarefa para outro artigo.


* Alcides Leite é economista e professor da Trevisan Escola de Negócios.

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O SENTIDO SOCIOLÓGICO DOS JUSTIÇAMENTOS,
por Rodrigo Augusto Prando*

As Ciências Sociais – a Sociologia, neste caso – tem como um dos seus principais projetos a compreensão dos fenômenos sociais, a apreensão de suas regularidades, a motivação dos seus atores em construir discursos explicativos. É, portanto, nesta seara que trataremos, neste escrito, acerca dos justiçamentos: os linchamentos e o vigilantismo.

No exercício de seu ofício, o sociólogo lança mão de estudos teóricos e pesquisas empíricas na tentativa de ultrapassar o senso comum e de explicar com base no método científico. No caso do fenômeno do linchamento, um dos maiores especialistas é José de Souza Martins, professor emérito da Universidade de São Paulo, e autor do essencial artigo “Linchamento, o lado sombrio da mente conservadora”, no ano de 1996. Martins é destes pesquisadores que, objetivando a explicação sociológica, dedica-se com afinco à teoria e ao trabalho de análise documental e de campo. Por conta de seus estudos, pode-se, inicialmente, entender a diferença entre o linchamento e o vigilantismo.

Os linchamentos tem caráter espontâneo configurando-se em decisão súbita, difusa, irracional e irresponsável da multidão. É uma ação de julgamento em que não há a figura do juiz, da Justiça, que deve ser objetiva, impessoal e imparcial. No evento violento, a multidão prende, julga e executa. A motivação, quase sempre, é de caráter conservador e são linchados os que cometeram atos contra as regras e os valores que dão sustentação aos grupos sociais em suas relações cotidianas. Não raro, o linchado, já morto, recebe uma segunda morte, tendo seu corpo arrastado, desmembrado ou jogado em terrenos para que deixe de ser pessoa e se transforme, por meio da putrefação pública, em cadáver. 

Pune-se o linchado e punem o seu corpo de forma ritual. Os linchamentos possuem certa regularidade, e os grupos que lincham podem ser divididos em: a) parentes e amigos de alguém que tenha sido vítima de linchado; b) vizinhos e moradores da localidade de moradia de alguém que tenha sido vítima do linchado; c) grupos corporativos de trabalhadores, especialmente motoristas de táxi e trabalhadores da mesma empresa em que trabalha(va) alguém vitimado pelo linchado e d) grupos ocasionais, especialmente multidões da rua, transeuntes, passageiros de transportes públicos (ônibus, trens e metrô) e torcedores de futebol. No Brasil, segundo Martins, são mais raros os linchamento realizados pelas grandes multidões, geralmente, são levados a cabo por vizinhos, parentes e grupos laborais que conheciam a vítima daquele que foi linchado.

O vigilantismo, por sua vez, é realizado por pequenas coletividades que se atribuem o papel de polícia, ou seja, sua intenção é prevenir o crime e, quando capturado o suposto criminoso, realizar o justiçamento que pode, ou não, ser por meio de linchamento (às vezes, são execuções sumárias). Há, ainda, a confusão com os “justiceiros”, pois, estes são, quase sempre, pagos pelos seus contratantes para eliminar indivíduos ou grupos considerados indesejáveis (adversários políticos, usuários de drogas, ladrões, moradores de ruas, etc.).

Sejam linchamentos, vigilantismo ou ações de justiceiros o quadro geral é de medo, de descrédito nas instituições, na própria possibilidade de convivência democrática e livre. Há dias – concedendo entrevista - afirmei à jornalista que o justiçamento não é e jamais será Justiça. Que o recorrente uso desta prática pode nos levar à falência da própria sociedade. Questionou-me, ainda, a jornalista, se o justiçamento não ocorre por conta da falha ou ausência das forças policiais. Respondi-lhe que quando ocorre o justiçamento há uma falha de muitas instituições sociais: a família, a escola, a religião, entre outros. Não se pode, por questão de honestidade intelectual e ética, “culpar” a polícia ou mesmo o Estado. O problema é social e, socialmente, deve ser equacionado e resolvido. Somos, infelizmente, uma sociedade que culturalmente é muito ligada à violência e ao autoritarismo.


* Rodrigo Augusto Prando é bacharelado e licenciado em Ciências Sociais, mestre e doutor em Sociologia pela Unesp, FCL, Araraquara. Professor e pesquisador da Universidade Presbiteriana Mackenzie

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