domingo, 3 de junho de 2018

EDUCAÇÃO.
Por José Renato Nalini*

NÃO DÁ PARA FUGIR.


Um dos paradoxos da sociedade contemporânea é o discurso do apreço à privacidade e a “surra de lavada” que ela está levando de sua concorrente, a transparência. A Constituição de 1988 é pródiga em acolher antagonismos que vão reclamar imaginação criadora e malabarismos hermenêuticos para conciliar ordem e liberdade, propriedade e sua função social e o nosso tema de hoje: privacidade (ou intimidade) e publicidade (ou transparência).

Uma primeira constatação é a de que as pessoas gostam de aparecer, de se mostrar, de se exibir. Aqueles minutos de fama no “fogareiro das vaidades” continua a funcionar e a atrair milhões de seres humanos ávidos por não serem esquecidos.

Já é um contrapeso à defesa da intimidade. Em seguida vem o argumento da segurança. Todos têm medo e este justifica uma certa perda de privacidade. Pais seguem os filhos durante todo o tempo em que os não têm sob suas vistas. Cargas são acompanhadas pelos interessados em não perdê-las de vista. Os espaços que abrigam valores, tangíveis ou intangíveis, têm de estar sob a proteção de esquemas cada vez mais sofisticados.

Isso decreta o fim do anonimato. Há poucos dias, Filipe Oliveira anunciava que o anonimato está com os dias contados. Hoje, entrar em loja, hotel, escola, ônibus e estádio de futebol sem ser reconhecido será quase impossível. A inteligência artificial ajuda a identificar as faces e não adianta tentar fazer plástica para mudar a fisionomia. Há outros caracteres indestrutíveis e esses bastarão para reconhecer quem quer fugir. 

Há um acerto de 99% na identificação por imagem. As câmeras não só identificam, mas são hoje capazes de detectar a emoção da pessoa. Prato cheio para o comércio, que saberá como lidar com sua potencial clientela, diante da reação fotografada pela câmera de segurança diante de um produto. Outra tecnologia já disponível: ao identificar o rosto do cliente, a empresa pode em seguida chama-lo pelo nome. Tratamento individualizado, em abono à vontade de ser prestigiado que se detecta na maioria dos viventes neste quarto de século.

Para as escolas, o sistema servirá para avisar os pais de que o filho não entrou em sala de aula. Ou que está em companhia daquele colega que não é bem visto pela família. 

O sistema está mal começando. Pensem na disseminação disso e no ousado exercício de futurologia bem possível: ninguém mais será um desconhecido daqui a alguns anos.










* José Renato Nalini é desembargador, reitor da Uniregistral, palestrante e conferencista. Visite o blog: renatonalini.wordpress.com.