Percival de Souza, famoso pela cobertura da área de segurança e crime organizado, iniciou sua carreira profissional no automobilismo de competição. Mas as circunstâncias e sua veia investigativa o levaram para o segmento policial, onde se especializou em jornalismo investigativo.
Por coincidência, começou suas atividades em revistas especializadas em automobilismo, primeiro na revista Quatro Rodas, na fase de sua fundação e, depois, na AutoEsporte, também em seus primeiros anos, até ingressar no Jornal da Tarde, onde fez carreira na área policial.
Mesmo assim e apesar da mudança de sua atividade profissional, muitas vezes foi solicitado a prestar auxílio, de formas diferentes, para resolver alguma ocorrência da indústria automobilística.
Recordo-me de uma de suas coberturas do automobilismo esportivo. Na época, Percival, na revista AutoEsporte, acompanhou uma corrida realizada nas ruas de Vitória, capital do Espírito Santo, onde o público assistiu a um eletrizante embate entre os carros Simca Abarth, da Simca do Brasil, e os Willys-Interlagos da equipe Willys, principalmente o show de Wilson Fittipaldi Júnior para neutralizar as vantagens técnicas dos carros adversários.
Na ocasião, Percival já demonstrava a sua vocação e, durante a viagem de aproximadamente 1.200 quilômetros entre São Paulo e Vitória, que fez de carro com alguns pilotos da Willys, ganhou o simpático apelido de tagarela pelo silêncio que adotou durante todo o trajeto, preferindo ouvir as conversas e observar.
Depois de algum tempo, Percival foi convidado pelo Jornal da Tarde para fazer a cobertura do segmento policial e se transformou no melhor e mais respeitado repórter do País. Em razão desse trabalho, foi enquadrado na Lei de Segurança Nacional.
Como os policiais sentiam que Percival os criticava com fortes razões, o recebiam com respeito pela coragem que demonstrava em seus comentários.
Como colega de profissão, Percival me ajudou muito porque foi o período em que o combate ao terrorismo deu forças às ações da polícia.
Como realizava um trabalho de pesquisa de novos modelos de automóveis a serem lançados pela indústria, junto com diferentes repórteres-fotográficos, frequentemente éramos confundidos com suspeitos de terrorismo e, por isso, fomos detidos algumas vezes por policiais que nos levavam para a delegacia para os esclarecimentos necessários.
Felizmente tínhamos a senha Percival de Souza. Com isso, pela sua imagem e reconhecimento nas delegacias de polícia, rapidamente éramos identificados como profissionais executando um trabalho sério.
Graças à boa imagem do Percival com os policiais, os delegados geralmente nos tratavam com atenção e cordialidade, sem sermos vistos como terroristas e qualquer registro de irregularidades.
Muitas vezes, nos transmitiam recomendações sobre como agir em futuras detenções. Seguindo o jargão policial que Percival era um "considerado".
Em 1974, me transferi para a Ford, onde assumi o comando do Departamento de Imprensa, mas mantive contato frequente contato com Percival.
Graças a esse estreito contato, consegui resolver algumas situações que poderiam ter se transformado em ocorrências sérias. Em um desses episódios, Percival me ajudou a resolver um problema enfrentado pela esposa de um diretor da área de caminhões da Ford.
A esposa dele, por uma leve ocorrência de trânsito, enfrentou uma ação imposta por um pedestre que exigia uma exagerada e injusta reparação financeira. O marido, na sua aflição, me procurou perguntando se eu tinha como ajudá-lo. Na hora, lembrei de Percival, a famosa senha para assuntos policiais.
No mesmo dia, Percival marcou uma reunião minha com o delegado do bairro onde ocorreu o incidente. E nos dirigimos para a delegacia, onde fomos recebidos por um jovem, elegante parecido com um ator de cinema que nos ouviu atentamente e solicitou ao escrivão a pasta de processos na qual a ocorrência estava registrada.
Antes de nos informar sobre a ação, nos convidou para visitar as celas que abrigavam os prisioneiros e, ao final, nos perguntou qual tinha sido a nossa opinião sobre os detentos. Ao ouvir que achávamos serem pessoas dignas de pena nos afirmou: aqui são uns coitadinhos, mas em liberdade, são temíveis feras.
E sobre o caso do diretor da Ford nos tranquilizou, esclarecendo que o processo estava arquivado. Graças à participação de Percival.
Percival de Souza também escreveu diversos livros, inclusive sobre o período da repressão: Autópsia do Medo, a biografia do delegado Sérgio Paranhos Fleury, e Eu, Cabo Anselmo, uma entrevista com Cabo Anselmo, o maior agente duplo a serviço do regime militar. Ganhou quatro prêmios Esso de Jornalismo por suas reportagens.
Recebeu pela Câmara Municipal de São Paulo o título de Cidadão Paulistano e a Menção Honrosa do 25º Prêmio Vladimir Herzog 2003, categoria "Livro de Reportagem", com a obra Narcoditadura – O caso de Tim Lopes.
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*Luiz Carlos Secco trabalhou, a partir de 1961 até 1974, na empresa S.A. O Estado de São Paulo e Jornal da Tarde, além da revista AutoEsporte. Posteriormente, transferiu-se para a Ford, onde foi responsável pela comunicação da empresa. Com a criação da Autolatina, passou a gerir o novo departamento de Comunicação da Ford e da Volkswagen. Em 1993, assumiu a direção da Secco Consultoria de Comunicação.
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