sexta-feira, 2 de fevereiro de 2024

ENTREVISTA À MEIA-NOITE? Por Luiz Carlos Secco*

Imagens do acervo pessoal que mostram fases da vida profissional de Anísio Campos

A leitura que costumo fazer quinzenalmente dos singelos e atraentes artigos que o escritor Ignácio de Loyola Brandão produz para o jornal O Estado de S. Paulo, me fez lembrar de um fato que enfrentei em meus primeiros anos de trabalho na seção de esportes do famoso jornal, como repórter de automobilismo.

Também como eu, antes de se tornar um premiado e respeitado colunista, teve seus dias de choque, surpresa, timidez e dificuldade para enfrentar um ambiente ao qual não estava acostumado de gente famosa e locais requintados, bem diferentes da vida que curtia como pessoa simples de Araraquara, onde nasceu.

O episódio que Ignácio presenciou num evento foi a despedida de um amigo do ator Valmor Chagas que confirmou um encontro no famoso e célebre restaurante Gigetto à meia-noite de um determinado dia.

Em seu artigo, Ignácio de Loyola Brandão confessou que levou um choque. Em Araraquara, onde viveu a sua juventude, não havia bar ou restaurante que funcionasse após as 22 horas e, por ser um ambiente mais simples e tranquilo, não estava acostumado a locais agitados, como a capital paulista. Após o choque, Ignácio foi obrigado a se adaptar aos hábitos de São Paulo e até hoje vive feliz e é muito admirado e respeitado.

Em seu artigo, Loyola publica a seguinte exclamação: "Esta era minha São Paulo porra-louca. Em jorro, me vieram bares, restaurantes e bibocas referenciais".

Tive uma experiência semelhante quando precisei entrevistar o designer e artista automobilístico Anísio Campos e pedi a ele um horário para falar sobre o primeiro automóvel que produziu, o GT Malzoni, esportivo desenvolvido junto com outro artista, Rino Malzoni.

Com sua agenda repleta, se dispôs a me atender à meia-noite, na casa onde residia em uma rua atrás do Esporte Clube Pinheiros, aqui em São Paulo, na chique região dos jardins. Hoje pode parecer comum, mas naquela época, nos anos de 1960, não tínhamos o hábito de marcar entrevistas de madrugada. Ainda mais com quem nem conhecíamos.

O mais importante é que foi uma entrevista valiosa com as informações que me transmitiu e por marcar o início de uma forte amizade, porque além de seus dons artísticos foi um amigo extremamente solidário, que me atendeu sempre com muita disposição, competência e até ensinamentos.

As coincidências das duas histórias ocorreram também no nível profissional porque na época em que Ignácio adentrava ao mundo da arte, poesia, do relacionamento com atores, atrizes, arquitetos famosos, publicitários e escritores eu entrava para o rol de grandes automobilistas, designers, engenheiros, mecânicos, pilotos de teste e importantes executivos da indústria nacional.

O primeiro automóvel que levou Anísio ao mundo da fama foi o esportivo GT Malzoni e, para produzi-lo, ficou uma temporada na fazenda que Rino Malzoni possuía, no município de Matão, pouco além de Araraquara.

Esse carro foi o primeiro sucesso de Anísio, chegando a ser exportado para vários países, principalmente os Estados Unidos. Depois, trabalhou em outros projetos, também de forte êxito, entre os quais, o carro de recorde Carcará, único exemplar produzido no Brasil; o primeiro buggy brasileiro com carroceria laminada pela Glaspac; o carro de corridas AC; o Topazio, que se convertia em três versões – cupê, conversível e pick-up – diferentes pick-ups Ford e, também, variados modelos de Volkswagen, entre os quais o mais charmoso foi o pequeno Dacon 828.

Entre 1960 e 1990, período em que os veículos fora de série tinham grande procura, foi responsável pela criação de diferentes exemplares.

Um dos últimos trabalhos de Anísio foi o Puma GTB, modelo esportivo construído com base no Chevrolet Opala com motor de 4.100 cm3 de cilindrada, que teve alguns modelos produzidos no final da existência da Lumimari, empresa dirigida por Luiz Roberto Alves da Costa, Milton Masteguim, o piloto Mario César de Camargo Filho e Rino Malzoni. Hoje, esse carro é um raro modelo de coleção e de grande valor.

Outra virtude de Anísio foi a produção de desenhos de automóveis a serem lançados no mercado brasileiro para o Jornal da Tarde, com base nas informações que eu transmitia a ele e que eram produzidas com incrível perfeição aos modelos reais e aos quais dava um tratamento que valorizava as ilustrações e atraíam os leitores.

Foram vários carros desenhados e construídos por Anísio, tantos, que até estava esquecendo do Maverick, da equipe Hollywood, com design idealizado por Anísio e que foi considerado o mais belo das pistas brasileiras. Foi o Maverick-Berta, desenhado por Anísio e com mecânica cuidada pelo argentino Oreste Berta, responsável pelo desenvolvimento de um motor para a Fórmula 1.

*Imagens: Arquivo pessoal Anísio Campos/Hyper Garage/Truth in 32bit.

>> Esta e outras histórias vividas e narradas pelo jornalista Luiz Carlos Secco você pode ouvir no podcast Muito Além de Rodas e Motores.
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*Luiz Carlos Secco trabalhou, a partir de 1961 até 1974, na empresa S.A. O Estado de São Paulo e Jornal da Tarde, além da revista AutoEsporte. Posteriormente, transferiu-se para a Ford, onde foi responsável pela comunicação da empresa. Com a criação da Autolatina, passou a gerir o novo departamento de Comunicação da Ford e da Volkswagen. Em 1993, assumiu a direção da Secco Consultoria de Comunicação.

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