Para não sair como vilão da conferência climática mundial, a agricultura brasileira precisa construir uma imagem uniforme e alinhar seu discurso na COP30
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Colheita de soja. Foto: Frota News |
A COP30, que será realizada em Belém (PA), está se aproximando, e a cadeia produtiva do agronegócio brasileiro vive o dilema de como se posicionar de forma unificada diante das questões ambientais emergentes que serão debatidas no evento global.
É sempre fácil associar a imagem da agricultura nacional à figura de vilã. Organizações não governamentais e instituições do gênero, defensoras da causa ambiental, já têm um discurso pronto para demonizar os produtores agrícolas brasileiros. A narrativa central é que a agricultura está devastando florestas e transformando o cenário em pastagens para engorda de gado e, depois, em lavouras de soja.
Segundo dados dos alarmistas de plantão, mais de 20% da Amazônia Legal já foi destruída, e o avanço segue em ritmo acelerado, prometendo uma paisagem lunar no lugar da floresta úmida antes do fim deste século. É uma imagem forte e de fácil assimilação pelo grande público, já temeroso com o aquecimento global.
Mas como explicar ao mundo que o agro organizado não é o vilão da destruição da floresta amazônica e que o Brasil não é o único país responsável pelo aceleramento das mudanças climáticas?
Muito pelo contrário, o agro verde-amarelo tem muito a mostrar e dizer ao mundo.
Separar o joio da soja
Aqui, precisamos começar separando, literalmente, o joio do trigo — ou, neste caso, o joio da soja. Crime é crime e vice-versa. Como em todos os setores, há segmentos mais rudimentares do agronegócio formados por gangues que grilam terras, invadem áreas devolutas, reservas indígenas ou de proteção permanente, e seguem em frente, desrespeitando a legislação, o Ibama e o próprio governo.
Decididamente, não estamos falando dessa gente, que precisa ter um encontro com as barras da Justiça. Estamos falando de quem produz corretamente e coloca comida na mesa dos brasileiros e de milhões de pessoas mundo afora.
Mas isso não interessa muito a quem denuncia o agro de forma generalista. E aqui está a armadilha na qual o Brasil e as lideranças do agronegócio não podem cair durante os debates da COP30. Cabe às nossas autoridades e entidades do setor mostrar que a agricultura faz parte da solução — e não do problema. Afinal, a questão ambiental não se sobrepõe à segurança alimentar. Elas estão interligadas. Só existe agricultura porque comida é fonte de energia e saúde para a humanidade. E porque há urgência e fome no mundo.
Mas o que é a COP30?
Para começar a responder a esse dilema à altura das demandas da sociedade civil organizada, o governo brasileiro e as entidades que lideram o agronegócio precisam, antes de tudo, compreender a arena onde acontecerão os principais debates desse evento de grande envergadura.
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Agricultura e preservação. Foto: Frota News. |
A COP30 — ou Conferência das Partes —, que o Brasil sediará em novembro, é uma reunião internacional que integra a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima. Essas conferências são realizadas anualmente com o objetivo de avaliar o progresso das negociações sobre as mudanças climáticas e estabelecer acordos para mitigar os efeitos já verificados no planeta.
A COP30 terá papel relevante na avaliação de dois aspectos cruciais: a implementação contínua dos compromissos assumidos em conferências anteriores e o avanço das metas globais para o futuro — especialmente no que se refere à adaptação e à resiliência diante das mudanças climáticas.
Dados atualizados indicam que, neste primeiro quarto de século, a temperatura média global já subiu quase 1 grau Celsius. Se nada mudar, poderemos atingir os 3 graus de aumento previstos pelos cientistas bem antes de 2100 — ou seja, em menos de 50 anos a partir de agora.
Por isso, a cada edição da COP, representantes dos países signatários se reúnem para discutir políticas climáticas, estabelecer compromissos para a redução das emissões de gases de efeito estufa e implementar os objetivos do Acordo de Paris, firmado em 2015.
Mas uma COP não deve ser vista como um fim em si mesma. Trata-se de um processo contínuo, que começou em Estocolmo-72, passou pela Rio-92 (ou Eco-92) e culminou no Acordo de Paris. Ou seja, já existem enunciados anteriores e compromissos assumidos que, muitas vezes, geraram expectativas frustradas.
Com a fragilidade do multilateralismo nos dias de hoje, o debate pode se esgotar se não surgirem metas objetivas e factíveis — capazes de reunir à mesa todos os agentes globais necessários para resolver o impasse climático em que nos encontramos, criando um ponto de inflexão que salve o planeta e o futuro da humanidade.
Os exemplos do Brasil
É aqui que o agronegócio brasileiro pode oferecer bons exemplos ao mundo. Temos protagonismo na agricultura e pecuária global, não apenas no aspecto econômico — como líderes em várias culturas —, mas também em práticas sustentáveis.
Carnes, cana, grãos, café, cítricos, florestas plantadas… e por aí vai. Mas também temos exemplos concretos de agricultura sustentável a apresentar, inclusive no bioma amazônico.
Práticas regenerativas de uso do solo existem há pelo menos 50 anos, desde que o plantio direto começou a surgir no Paraná. O etanol é uma das maiores bandeiras que podemos levantar como solução energética viável para a mobilidade. Além da cana, temos o sucesso do uso de biocombustíveis, com destaque para o biometano, utilizado no transporte coletivo, de cargas e em máquinas agrícolas — fechando o ciclo sustentável no campo.
Mais recentemente, cresce o conceito de integração entre lavoura, pecuária e reflorestamento em uma mesma propriedade. É uma inovação verde-amarela que pode ser exportada para diversos países, especialmente os nossos vizinhos do continente americano, mostrando que produtividade pode — e deve — caminhar junto com sustentabilidade, preservando a umidade do solo e os mananciais de água.
Zona Azul versus Zona Verde
Esses exemplos precisam estar presentes em todos os discursos dos representantes brasileiros durante a COP, para que a força da nossa mensagem não se dilua nem seja ofuscada por imagens de queimadas e florestas derrubadas. Seja na Zona Azul, onde estarão os representantes oficiais dos governos, ou na Zona Verde, onde estarão empresas, ONGs e a sociedade civil.
É preciso lembrar que, por trás de tudo isso, o principal tema da COP é econômico: trata-se da competitividade dos países em todas as áreas — especialmente na geração de energia e na agricultura, incluindo pecuária e pesca. São dois pilares da economia global que estarão em jogo em Belém, e o Brasil precisa estar preparado para defender seus interesses estratégicos.
Sem esquecer que a imprensa mundial estará atenta, cobrindo as duas arenas da conferência: o lado oficial, de onde sairão os acordos e metas entre os países, e o lado não oficial, de onde, geralmente, vêm as imagens de protestos que correm o mundo. Se o discurso não estiver bem alinhado, as imagens da Zona Verde poderão ofuscar as boas intenções e argumentos do agronegócio brasileiro.
Assim, a pecha de vilão permanecerá marcada a ferro e fogo no agro nacional. E a próxima oportunidade para reverter essa imagem será apenas na COP31, em Istambul, na Turquia, em novembro de 2026.
* Jorge Görgen é jornalista, consultor, profissional de comunicação corporativa com destaque nos setores automotivo, transporte & logística, e agronegócio. Atuou como responsável pela Comunicação Corporativa do Iveco Group e, anteriormente, na CNH Industrial. Premiado duas vezes como Profissional do Ano de Comunicação Empresarial pela Aberje (2018 e 2023), também ocupou cargos de liderança como vice-presidente da ANFAVEA e conselheiro da Aberje. Fale com o Jorge: jlagorgen@gmail.com.
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