Tenho uma terrível suspeita: a Alemanha teria aliviado para o Brasil fazer seu gol de honra, na tragédia do 7 a 1. Duas coisas me levam a essa suspeita: a facilidade com que Oscar entrou através da muralha defensiva alemã e a atitude do zagueiro, que corre em direção ao gol, abrindo o espaço, e não ao atacante, como seria o normal.
Vejam: nem bruxa conseguiria reverter, ou sequer ameaçar, o resultado. O gol do Brasil não faria a menor diferença. A discreta comemoração dos alemães nos gols mostra que até eles estavam constrangidos com a absurda goleada. Os alemães tinham feito um notável trabalho de marketing junto aos torcedores brasileiros, apagando a tradicional imagem de frios e arrogantes. Já eram apontados como os mais simpáticos da Copa. Eles estavam com pena do nosso time, com uma História gloriosa que todos respeitam. E sabiam que vão precisar da nossa torcida como aliada contra a Argentina. Não custava nada, portanto, deixar o Brasil fazer seu gol de honra para aliviar o vexame ainda maior de ficar no zero.
É muito triste ter essa suspeita. Mas ela é real. Só no futuro, muitos anos à frente, quando esse jogo for relembrado pela milésima vez, algum dos jogadores da Alemanha poderá confessar se foi assim mesmo. Guardem essa hipótese para conferir daqui a dez ou vinte anos, talvez até antes, quando todos já estarão aposentados e dando entrevistas sobre a pior e inacreditável derrota de um Brasil que coleciona cinco mundiais e dois vice. Para quem achar que minha hipótese é maluca, lembro de uma entrevista que li do goleiro da seleção do Uruguai que nos venceu em 1950. Impressionado com a tristeza do povo brasileiro depois do jogo, afirmou: “se eu soubesse que seria tanta, teria deixado a bola passar”. Certamente mentiu, não deixaria. O placar era apertado. Mas desta vez, para os alemães, vendo a comoção geral, o golzinho de honra dos brasileiros não lhes causaria o menor dano. Tanto que aliviaram no ataque, para não enfiar dez ou doze. Nosso único alívio era ver o jogo acabar.
Facilitado, ou não, o gol do Oscar nada muda. Mas o que muda é nossa visão do futebol brasileiro, que aqui encerra um ciclo. Acho que agora será muito difícil, tão cedo, o Brasil voltar a ganhar uma Copa. Quatro anos passam voando, e são muito pouco para construir um novo time com a eficiência que tivemos no passado. Neymar não é Deus. Não resolve nada sozinho e o tempo é implacável com todos, levando ao desgaste físico, principalmente de atacantes, mais expostos a contusões.
O futebol mundial cresceu em bloco, senão em brilho, mas em tática defensiva. Isso faz parte do jogo, ainda que não seja belo. A prova mais cabal é o destaque dos goleiros como os melhores em campo. Que saudade dos ataques, com gols, que eram verdadeiras obras de arte... Alô Pelé! Alô Garrincha! Alô Maradona! Alô Zico, Ronaldo, Falcão, Sócrates, Rivelino, Tostão, Romário, Bebeto... e tantos outros!
A Costa Rica, com sua elogiável campanha e toda a garra que faltou ao futebol brasileiro, mostrou bem a estratégia defensiva. Tivessem eles um grande atacante, oportunista, e hoje a história da Copa seria outra.
O jogo da classificação da Argentina, contra a Holanda, foi o mais enfadonho e sem graça que eu já vi numa Copa, desde 1958. Eram dois times covardes, um com medo do outro, trocando bolas no meio do campo e atrasando aos goleiros, à espera da decisão pelos pênaltis. Mesmo que se torne campeã, com Messi, isso não vai transformar a medíocre Argentina num time brilhante.
Perdido e desesperado em campo, contra a Alemanha, sem qualquer esquema tático, acho que nem isso, um jogo chato e sem gols no tempo normal, o Brasil teria conseguido. Mas, pelo menos, o vexame teria sido menor.
Agora estou dividido: meu instinto competitivo me empurra a torcer pela Alemanha, sem dúvida o melhor time. Mas pesa também meu amor pela Argentina, que há anos costumo visitar para dançar tango, e onde tenho muitos queridos amigos. Pensando bem, faz muito tempo que o povo argentino não tem uma grande alegria, depois de ter passado por uma das piores ditaduras do século, além da historicamente recente derrota militar nas Malvinas. Eles tiveram mais tragédias do que alegrias. Agora, pra variar, é a crise econômica. A escolha do Papa não conta, não é uma conquista nacional, ainda que seja uma honra. Se vencerem, que sorvam essa glória efêmera e reconfortante, capaz de fazê-los sorrir. Merecem!
Quanto a nós, acordamos com a derrota humilhante daquela anestesia que um evento como a Copa produz. Saímos do delírio e voltamos à realidade. Todos foram incompetentes, mesmo sendo profissionais muito bem pagos para fazer seu trabalho com competência. Mas Felipão é o técnico, representa o grupo, e já deveria ter pedido demissão, mesmo faltando um jogo. Sua arrogância não lhe permite essa grandeza. Apagão, se teve, não justifica nada, também é incompetência. Craque não tem apagão, joga bola e pronto. Nunca gostei do cara, nem como técnico, nem como pessoa. Como eu poderia gostar de alguém que se declarou admirador de um genocida como Pinochet? E como técnico, da confiança da cartolagem corrupta, primeiro enterrou o Palmeiras, agora o Brasil.
Concordo com Zico: o futebol brasileiro acabou e terá que ser reconstruído do zero. O caminho para isso é investir nas categorias de base. Passando, antes, pelo banimento da máfia de cartolas corruptos. Sem estes dois pré-requisitos, melhor esquecer o futebol. Estou pensando, encanto da minha infância, na bolinha de gude.
* Milton Saldanha, 68 anos, gaúcho, é jornalista desde os 17 anos. Trabalhou na imprensa de Santa Maria (RS) e Porto Alegre. Vive em São Paulo há mais de 40 anos. Passou por muitos empregos, entre eles Rede Globo, Estadão, TV Manchete, Diário do Grande ABC, Jovem Pan, revista Motor3, Ford Brasil, IPT, Conselho de Economia e vários outros, inclusive na Ultima Hora. Ao se aposentar, criou o jornal Dance, já com 19 anos. É autor dos livros “As 3 Vidas de Jaime Arôxa” (Editora Senac Rio); “Maria Antonietta, a Dama da Gafieira” (Phorte Editora) e “O País Transtornado” (Editora Movimento, RS) onde conta 60 anos da recente História brasileira. Participou da antologia de escritores gaúchos “Porto Alegre, Ontem e Hoje” (Editora Movimento)
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