quarta-feira, 22 de julho de 2015

TRÂNSITO INCOMPETENTE.
Por Milton Saldanha*

Corria o ano de 1972. Eu era repórter da Folha da Manhã, em Porto Alegre, e somava às matérias especiais que gostava de fazer com uma função que odiava, mas era determinação da chefia: setorista de trânsito. Isso me obrigava, todos os dias, a manter contatos com o Detran e Secretaria dos Transportes, o primeiro estadual, o segundo municipal. Ambos de uma incompetência de fazer chorar. O diretor do Detran era um senhor delegado de carreira, sem nenhuma intimidade com a função que lhe foi confiada. Era o velho carguismo, nomeia-se para satisfazer interesses, e pronto. Na secretaria dos Transportes não era diferente. O secretário era nomeação política e não técnica. O sujeito enrolava bonito quando o assunto envolvia decisão técnica, mesmo sendo assessorado por uma equipe de engenheiros. Um deles, certa vez, ao se deparar com uma grande trapalhada no centro da cidade (uma interdição deixou os veículos rodando em torno do mesmo quarteirão, acreditem), em vez de encostar seu carro e resolver o problema, tratou é de fugir do local. Depois contou isso para dizer que foi esperto. Por aí já se tem idéia do nível do pessoal, e não surpreende que o trânsito de Porto Alegre, já naquele tempo, fosse um caos.

Em São Paulo, medidas como o rodízio atestam a incompetência da autoridade de tráfego. Porque o ônus da solução é jogado sobre o usuário da via pública, que paga IPVA, pedágios e os impostos da compra do veículo. Agora o prefeito repete a receita com a polêmica redução da velocidade nas marginais.

A solução é simples, mas eles não enxergam: basta estabelecer dois limites de velocidade. Por exemplo, entre 6h e 22h o limite seria de 60 km/h em todas as faixas. E entre 22h e 6h o limite seria de 100 km/h. Até por segurança: no atual 50 km/h, na madrugada, qualquer motoqueiro bandido (a cidade está repleta deles) pode encostar ao lado do carro e intimar o estacionamento, para assaltar.

Além disso, a diferença de rapidez do fluxo estimularia mais gente a sair mais cedo de casa. Seria uma ajuda para desafogar os piores horários de rush.

A propósito, disciplinar e educar os motoqueiros é tarefa que eles não peitam. Quando na administração Marta tentaram isso, os motoqueiros ameaçaram bagunçar a cidade e as autoridades, covardemente, recuaram. Eles continuaram a vontade, barbarizando até sobre calçadas de pedestres, como se vê todos os dias. Para os motoqueiros não existem leis, muito menos limites. E ninguém faz nada.

Há alguns anos, editando o Jornal do Economista, órgão do Conselho Regional de Economia do Estado de São Paulo, que tinha a expressiva tiragem mensal de 30 mil exemplares, escrevi duas páginas apontando sugestões para melhorar o trânsito da Capital. Quase todas, certamente, passíveis de debate, mas isso é o de menos. Eram sugestões. O debate seria até saudável, para melhorar cada idéia. Um cidadão, jornalista, interessado em ajudar a resolver problemas da cidade. Tive o cuidado de enviar exemplares para as diretorias de todos os órgãos de trânsito da cidade. Quantas mandaram uma resposta? Nenhuma. Sequer para agradecer. Isso mostra o distanciamento abissal que separa autoridades de cidadãos. Eles se acham os tais, nós somos meros mortais. Só que os tais são de uma incompetência impressionante.
 Estou mentindo? Então observem a péssima sinalização de todas as cidades. E todas contam com autoridades de trânsito. A única cidade bem sinalizada que conheço no Brasil é Joinville, no norte de Santa Catarina. As demais são uma calamidade. Florianópolis, no mesmo Estado, é um horror. Em São Paulo a sinalização é um convite a se perder, porque não tem continuação lógica, principalmente nos cruzamentos confusos. Não raro, alguma placa indica a direção de um bairro distante, e morre ali, como se tivesse sido colocada por algum louco.
Negam a existência da indústria da multa. Mas é verdade, ela existe, e a prova é que essa arrecadação faz parte da previsão orçamentária do município, o que é um absurdo.

A solução para tudo seria um transporte público moderno, civilizado, que tratasse a população como gente e não gado. Esse sonho tropeça no controle de empresários tacanhos, que só pensam em ganhar dinheiro, se lixando para a população. Uma empresa pública modelo, como foi a CMTC, Jânio Quadros tratou de sucatear até ficar insustentável. Isso teria merecido uma CPI e investigação da Polícia Federal, fosse este um país sério. O cara morreu em sua mansão, milionário e impune.

Como ele, outros terão o mesmo destino sortudo da impunidade. E nós continuaremos pagando a conta, e sofrendo no trânsito.



Milton Saldanha, 68 anos, gaúcho, é jornalista desde os 17 anos. Trabalhou na imprensa de Santa Maria (RS) e Porto Alegre. Vive em São Paulo há mais de 40 anos. Passou por muitos empregos, entre eles Rede Globo, Estadão, TV Manchete, Diário do Grande ABC, Jovem Pan, revista Motor3, Ford Brasil, IPT, Conselho de Economia e vários outros, inclusive na Ultima Hora. Ao se aposentar, criou o jornal Dance, já com 19 anos. É autor dos livros “As 3 Vidas de Jaime Arôxa” (Editora Senac Rio); “Maria Antonietta, a Dama da Gafieira” (Phorte Editora) e “O País Transtornado” (Editora Movimento, RS) onde conta 60 anos da recente História brasileira. Participou da antologia de escritores gaúchos “Porto Alegre, Ontem e Hoje” (Editora Movimento)  

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