É UMA BRASA, O MORO.
Nos tempos da Internet a manivela, um empresário me convidou para ser diretor-adjunto; uma das minhas funções seria vigiar o meu chefe. Explicou: "Ele me rouba". OK, e por que não o demite? "Não posso. Ele sabe muito".
Bolsonaro queria livrar-se de Moro desde que descobriu que o ministro não podia, nem queria, intrometer-se nas investigações da Polícia Federal. E por que o levou a sair agora, mesmo tendo noção de que Moro sabe muito? O ótimo portal Consultor Jurídico, baseado em informações de um colunista com três prêmios Esso, informa que o inquérito da Federal sobre notícias falsas chegou ao Gabinete do Ódio – e, portanto, a Carluxo, um dos filhos de Bolsonaro. A mesma investigação apura quem organizou a manifestação pró-golpe a que Bolsonaro compareceu – há suspeitas sobre dois dos filhos do presidente, Carluxo, o 02, e Eduardo, o 03. Entre o governo e a família, Bolsonaro escolheu a família. E corre o sério risco de perder o governo.
O ministro Celso de Mello, decano do Supremo, deu dez dias de prazo ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia, para apresentar informações sobre um dos pedidos de impeachment do presidente. Maia tinha deixado o pedido na gaveta, confiando na tradição do STF de não intervir nesses casos. Mas a tradição mudou: ele terá de agir. Bolsonaro, quem diria, nas mãos de Maia!
Impeachment precisa ter base jurídica, mas é ato político. Sem Moro, os grupos pró-impeachment ganham mais base política. E o vice é um general.
Os tiros de lado a lado
Moro bateu duro na entrevista em que anunciou sua demissão. Acusou o presidente de pelo menos cinco crimes. Em quatro das denúncias, só será possível provar o que diz se tiver gravado as conversas – o que seria desleal, mas no campo da política é algo bem disseminado. Bolsonaro, na entrevista em que apresentou a história como ele a viu, narrou seu relacionamento com Moro de maneira diferente, em que esses crimes não aparecem. E, o que é importante, pediu a Augusto Aras, procurador-geral da República, que apure as acusações de Moro. É uma atitude forte, de quem acha que tem razão.
Quem é o mentiroso?
O pedido ao Ministério Público para que investigue as denúncias de Moro tem importância, já que atribuir falsamente a alguém a prática de crime é também um crime. Mas há uma acusação de Moro que pode ser comprovada ou desmentida: a de que sua assinatura foi colocada na demissão do delegado Maurício Valeixo sem que ele a tenha assinado. Se a assinatura foi colocada no documento sem que ele o soubesse, o responsável pode responder por falsidade ideológica, crime previsto no artigo 299 do Código Penal. Uma boa investigação pode determinar quem é o mentiroso e quem fala a verdade.
Velhas histórias
De Jair Bolsonaro em novembro de 2018, em entrevista à Rede Record, sobre o convite a Sergio Moro: "Eu não vou interferir em absolutamente nada que venha a ocorrer dentro da Justiça no tocante a esse combate à corrupção. Mesmo que viesse a mexer com alguém da minha família no futuro. Não importa. Eu disse a ele: é liberdade total para trabalhar pelo Brasil".
Histórias velhas
Uma das declarações de Moro, em sua entrevista de demissão, é estranha: disse que, quando convidado, pediu a Bolsonaro apenas que lhe garantisse uma pensão para a família, caso morresse no combate ao crime. Em que lei estaria baseado para fazer o pedido? Por que para ele (embora, pelo mundo, muita gente que se destacou no combate ao crime tenha sido assassinada) e não para Paulo Guedes, cujas decisões poderiam fazer com que milionários ficassem menos ou mais milionários? Moro não avançou no tema. E deveria.
The day after
Sergio Moro já não é juiz, deixou de ser ministro. Estará interessado em se envolver na política, disputando, digamos, a Presidência da República? A deputada Joice Hasselmann, do PSL paulista, que rompeu com Bolsonaro, já lançou sua candidatura. O problema é que é muito cedo: Moro é hoje muito popular, mas daqui até as eleições terá de ficar ao sol e ao sereno. E, como candidato, na faixa de centro-esquerda até a centro-direita, terá adversários fortes além de Bolsonaro: João Doria, por exemplo, que pretende ocupar o mesmo campo político em 2022. O pessoal mais à esquerda não se sentirá à vontade para apoiar o candidato que, como juiz, não só revelou a corrupção dos governos petistas como ousou condenar Lula (e, com suas delações premiadas, demolir o relacionamento entre empresários corruptos e políticos corruptores, ou vice-versa). Terá como adversário, também, quem condena o estreito relacionamento – aliás, ilegal – entre juiz e Ministério Público. Terá jogo de cintura para evitar que esses adversários tomem seus votos?
Que pretende?
Moro deixou abertas todas as opções. Pode também advogar e palestrar. Ou esperar: se por acaso Mourão chegar lá, iria buscá-lo? Ele voltaria?
* Carlos Brickmann é Escritor, Jornalista e Consultor, diretor da Brickmann & Associados Comunicação.
Leia o Chumbo Gordo, informação com humor, precisão e bom.
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