sexta-feira, 19 de janeiro de 2024

GRANDE PRÊMIO BICENTENÁRIO DE PORTO ALEGRE, OS PRIMÓRDIOS DAS CORRIDAS NO BRASIL. Por Luiz Carlos Secco*



Há quase 84 anos, foi disputado o Grande Prêmio Bicentenário de Porto Alegre, inédita corrida por estradas das regiões sudeste e sul do País, entre as cidades do Rio de Janeiro e de Porto Alegre, promovido pelo Automóvel Clube do Brasil em parceria com o Touring Clube do Brasil.

Realizada entre os dias 14 e 17 de novembro de 1940 e vencida pelo catarinense Clemente Rovere, na condução de um Ford Cupê, a prova teve distância de 2.076 quilômetros, dividida em quatro etapas e percorreu verdadeiros caminhos primitivos como eram as estradas naquela fase do País, nos primórdios s corridas brasileiras.

A corrida contou com a participação de 23 pilotos e foi considerada extraordinária pelo ineditismo e dificuldades que existiram por caminhos chamados de estradas, em percursos sem pavimentação, abertos por tratores e trabalhadores rurais com técnicas superadas sem moderna engenharia e, por esse primitivismo, somente trafegáveis em dias sem a ocorrência de chuva.

Por percursos extremamente difíceis nas fases chuvosas a poeira era transformada em lamaçal que predominava provocando o encalhe de veículos nas profundas valetas encavadas em piso isento de revestimento, mesmo na ligação entre as duas principais capitais do País, São Paulo e Rio de Janeiro, chamada por Estrada Rio-São Paulo, até 1961, quando foi inaugurada a Rodovia Presidente Dutra.

Em 1954, conheci a maior distância desse percurso, em 1.600 quilômetros numa competição internacional de ciclismo, a Volta do Atlântico, entre Porto Alegre e São Paulo, verdadeiro caminho para o inferno e ainda pior que a chamada estrada Rio-São Paulo. Lembro que, por falta de estrada, num trecho do Rio Grande do Sul, uma das etapas da prova foi realizada ao longo de 60 quilômetros de praias, entre as cidades de Tramandaí e Torres e considerada a primeira do mundo com essa característica. E também de outro trecho em que havia muitas pedras soltas que danificavam os aros de alumínio e exigiam a troca por modelos construídos de madeira.

Mas voltando ao Grande Prêmio Bicentenário de Porto Alegre, a prova foi tão difícil em razão das estradas que a média horária de menos de 74 quilômetros por hora demonstrou a exigência da competição e os acontecimentos durante o seu transcurso elevaram o nível de dificuldade que os pilotos e os próprios carros enfrentaram nas quatro etapas da competição.

Dos 23 participantes, que iniciaram a corrida no centro do Rio de Janeiro, em frente à sede do Automóvel Clube do Brasil, apenas nove conseguiram completar a distância entre os quatro estados envolvidos. Alguns dos principais concorrentes sofreram quebra ou acidentes, como o paulista Francisco Landi, os gaúchos Catharino Andreatta e Norberto Jung e até o campeão uruguaio Hector Suppici Seedes, a poucos quilômetros da meta.

A média horária estabelecida e o reduzido número de carros que chegaram ao final justificaram a identidade conquistada pela prova, que passou a ser anunciada como uma extraordinária corrida ou teste de demolição de veículos e de esgotamento físico dos pilotos participantes.

A maior redução do número de pilotos ocorreu logo nas primeiras etapas, por acidentes ou problemas mecânicos entre os quais o jovem gaúcho Catharino Andreatta, que confirmou suas virtudes com vitória na segunda etapa, encerrada em Curitiba.

Mesmo com a ausência desses pilotos de maior prestígio, a extraordinária corrida provocou emoções até seus últimos momentos, pela repercussão que causou a ouvintes de emissoras de rádio e de leitores de jornais.

A festa para os sulistas começou na primeira etapa, com vitória de Clemente Rovere, com seis minutos de vantagem sobre Francisco Landi e Catharino Andreatta em quarto, bem distantes dos adversários.

As emoções acompanharam os pilotos e provocaram grande interesse até final da corrida. Rovere estabeleceu forte ritmo de condução e contribuiu para os momentos de emoção com atuação muito eficiente.

A corrida extraordinária, como passou a ser identificada, teve vários momentos emocionantes, como a alegria de Rovere pela vitória e o apoio recebido dos gaúchos, o sucesso sobre as dificuldades enfrentadas e a frustração do campeão uruguaio, Suppici Seedes, que era o grande favorito, mas abandonou a prova por um problema mecânico quando faltavam poucos quilômetros para a chegada.

Também o gaúcho Ernesto Ranzolin, que competiu em dupla com João Pedro Souza Oliveira, num um Ford Cupê, modelo 1940 OKM, adquirido dias antes da corrida, foi outro que não conseguiu conter a emoção. 

Fotos: de 1 a 4, acervo pessoal de Antônio Ranzolin/Graziela Marques da Rocha - Histórias que vivemos. De 5 a 6, arquivo do autor.

>> Esta e outras histórias vividas e narradas pelo jornalista Luiz Carlos Secco você pode ouvir no podcast Muito Além de Rodas e Motores. Clique aqui e ouça agora.

*Luiz Carlos Secco trabalhou, a partir de 1961 até 1974, na empresa S.A. O Estado de São Paulo e Jornal da Tarde, além da revista AutoEsporte. Posteriormente, transferiu-se para a Ford, onde foi responsável pela comunicação da empresa. Com a criação da Autolatina, passou a gerir o novo departamento de Comunicação da Ford e da Volkswagen. Em 1993, assumiu a direção da Secco Consultoria de Comunicação.

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