domingo, 16 de novembro de 2025

ANDAM QUERENDO SABER DEMAIS O QUE A GENTE PENSA. Por Marli Gonçalves*

Pior. Toda hora. Querem saber o que gente pensa, acha, vai votar daqui há um ano, comprou, avaliou. Virou praga. Por todos os cantos, pesquisas, e-mails, mensagens via whatsapp, estrelinhas, de 1 a 5, no telefone pressão para que a gente dê nota para o coitado do atendimento que nos suplica que esperemos o final da ligação, de 1 a 10, do péssimo, claro, ao maravilhoso.

Eu fico imaginando que o atendente com quem fiquei horas brava tentando resolver alguma pendenga, em geral com uma operadora, banco, empresa de serviços ou concessionária, ao final da ligação ficará lá de tocaia esperando minha nota. Como sou boazinha e não quero ser a bruxa responsável pela demissão de alguém, vou para o 9 e para o 10. Também muitos deixam um espaço pedindo que seja explicitado porque é que deu a tal nota. Adoraria que perguntassem, sei lá, sobre a qualidade da audição – em geral pouco se escuta, ou muito baixo, ou com barulho de central de telemarketing de algum lugar distante no país – isso, claro, quando se consegue falar com gente de carne e osso e o nome da pessoa que nos atende precisa ser repetido, muitos até por serem bem incomuns, alguns regionais, com sotaques que adoro decifrar e perguntar se acertei de onde. Tem de ligar com papel e lápis ao lado para anotar. Fora os quilométricos números dos protocolos inúteis. Alguém aí já os usou para reivindicar a conversa gravada? Funciona?

Outro inferno: se é robô, uso de Inteligência Artificial, por escrito parece que falamos outra língua, por mais claro seja o que queiramos saber, e em poucas palavras. Já li muito “Infelizmente, não captei o que deseja”, “Lamento, mas não compreendi”, insistindo que escolhamos entre as opções, deles, que repetem, repetem, até que desistamos. Sobra ao final: “Seu atendimento foi finalizado por falta de interação. Inicie um novo atendimento”.

Ah, também tem essa: quando pedem que a gente responda a alguma pesquisa como clientes dizem que é rapidinho, “leva menos de dois minutinhos…” Isso acontece, por exemplo, em uma loja de produtos para pets, como agora teimam em chamar nossos bichinhos (fora nos chamarem de tutores, horrível). Tenho uma gata enjoada, que tem dia que gosta de um sabor de ração úmida; no outro, despreza, e depois volta a gostar. Para evitar prejuízo vou comprando aos poucos, então frequento o pedaço até mais do que gostaria, uma, duas vezes por semana. Toda vez, logo depois, chega o pedido de avaliação. De vez em quando respondo para ver se me deixam em paz. As perguntas são sempre as mesmas: de 1 a 10 (tudo é de 1 a 10) quanto você recomendaria a empresa a um amigo ou parente. Seguem mãozinhas para cima, verde, e para baixo, vermelha, sobre o preço, do atendimento, disso, daquilo. E pergunta sobre como podem melhorar. Como sempre reclamo do preço e ele só sobe e muito, não sei como é feita a tal aferição. Imagino inclusive que seja a reclamação mais comum, porque tá osso manter o orçamento.

Claro que é legal sermos consultados em algumas coisas. Mas tudo tem limite. Por exemplo, vou dizer, tenho achado bem esquisita essa inundação de pesquisas eleitorais sendo que nem virou o ano e ainda nem temos candidatos confirmados. Incluem, inclusive, o inelegível. Uma seguida da outra, sobe e desce, gráficos coloridos, não sei quem está melhor, o outro caiu, aprovação, desaprovação. Alguéns estão ganhando com isso, fora a competição entre os institutos, que claramente já estão disputando os partidos e empresas nesses levantamentos.

Para quem a gente pode contar que já há algum tempo o país está mesmo completamente dividido? Polarizado? Que não há margem de erro que consiga introduzir ao menos alguma variável decente? Patinamos com décimos para lá, décimos para cá. E, embora na política e na sociedade haja muitas questões sérias a serem pesquisadas, essas respostas não chegam para nós. Digo respostas porque muitas perguntas até são feitas, mas não nos contam o resultado. São para efeito interno.

Resta saber de quem, para quem, para o quê.

Marli GonçalvesJornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano - Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto. À venda nas livrarias e online, pela Editora e pela Amazon. Me encontre, me siga, juntos somos mais: Blog Marli GonçalvesFacebookInstagramTwitterBlueSkyThreads, marli@brickmann.com.br. Foto: @dukskobbi.

Nenhum comentário: